O CANTO DOS SEMINÁRIOS DE LACAN
Nasce uma voz na Paris do pós-guerra. Um eco distinto, vindo da clínica, da literatura, da matemática e da linguagem. Jacques Lacan se ergue como um alquimista do inconsciente. O palco se arma, e em 1953, o Seminário I inaugura a travessia: Os Escritos Técnicos de Freud. Ali, Lacan retoma o texto freudiano como escritura viva. O inconsciente é estruturado como uma linguagem. A transferência, o sujeito, o Outro. Tudo se desenha sob o olhar da palavra.
Segue o Seminário II. O Eu na teoria de Freud e na técnica da psicanálise. Lacan desfaz o espelho onde o ego se fixa. Mostra que o eu não é senhor, mas efeito. O sujeito é fendido, dividido, deslizando no campo do significante. O real escapa. O simbólico estrutura. O imaginário engana.
No Seminário III, sobre As Psicoses, Lacan coloca a foraclusão no centro da clínica. O Nome-do-Pai recusado. O sujeito psicótico em confronto com o real sem o amparo do simbólico. Schreber é lido como poesia delirante do Outro em colapso. A linguagem se implode e se recria em cada frase insana.
Chega o Seminário IV: A Relação de Objeto. O objeto não é coisa. É falta. É causa do desejo. Surge o conceito de objeto a. Objeto do olhar, da voz, do seio, das fezes. Fragmentos que nos faltam e nos movem. O desejo não visa a completude. Deseja porque falta.
No Seminário V, As Formações do Inconsciente, o sonho é lido como metáfora. O chiste como metonímia. O inconsciente como linguagem. O sujeito se escreve em equívocos. A verdade se insinua no erro. O saber escorre pelas bordas da fala.
O Seminário VI, O Desejo e sua Interpretação, é uma ode à leitura. Hamlet se ergue como figura trágica do desejo paralisado. O analista é aquele que não interpreta o sentido, mas o corte. A interpretação é ato que toca o real, não explicação.
Em seguida, A Ética da Psicanálise. Seminário VII. Lacan nos conduz por Antígona e Kant, Sade e o gozo. O bem não guia a psicanálise. O desejo sim. E o desejo é ético. A ética da psicanálise é sustentar o desejo até o fim. Mesmo que o fim seja a morte.
Chega o Seminário VIII, A Transferência. Sócrates e Alcibíades dançam o drama do amor transferencial. O analista é semblante de objeto a. Ele não é amado. Ele sustenta o lugar da falta. A transferência é uma armadilha, mas também é motor. Amar é dar o que não se tem a quem não o é.
O Seminário IX, A Identificação, nos leva ao traço unário. O significante que marca o corpo. O Ideal do Eu como construção imaginária. O sujeito se identifica ao significante, mas paga o preço com o recalque. A castração funda o laço. O Um é ficção.
Então, A Angústia. Seminário X. A angústia não engana. Ela é sinal do real. O objeto a aparece ali onde o desejo falha. A angústia mostra o que não pode ser simbolizado. O analista, nesse ponto, é causa e não sujeito. Ele sustenta o ponto de horror, de furo. O objeto a é aquilo que se perde e se reencontra no sintoma.
No Seminário XI, Os Quatro Conceitos Fundamentais da Psicanálise, Lacan crava pilares: inconsciente, transferência, repetição e pulsão. O inconsciente é efeito do significante. A transferência é presença do amor. A repetição retorna no fracasso. A pulsão contorna o objeto a. O corte aparece como momento-chave. O olhar é pulsional. O sujeito é furo.
O Seminário XII, Problemas Cruciais para a Psicanálise, desdobra o sentido, o gozo, a interpretação. A linguagem é armadilha. O saber do analista é não saber. A clínica se torna topológica. O simbólico se enrosca no real. O saber do sujeito é saber suposto.
No Seminário XIII, O Objeto da Psicanálise, Lacan mergulha no ser. O ser de gozo, o ser falante. O sujeito se forma na falta. A linguagem precede o ser. O objeto a é resto, resíduo de gozo. O analista é aquele que se deixa cair como objeto.
Chega o Seminário XIV, A Lógica do Fantasma. O sujeito barrado e o objeto a formam o fantasma: Fantasia fundamental que sustenta o desejo. O fantasma é defesa, mas também janela. É onde o sujeito se vê, se goza, se perde.
O Seminário XV, O Ato Psicanalítico, é performance ética. O analista não interpreta. Ele age. O ato é o que muda o sujeito. Não há ato sem corte. Sem furo. O ato funda um novo ser. O analista não é espectador. Ele é instrumento.
Em O Avesso da Psicanálise, Seminário XVI, Lacan desenha os quatro discursos: do Mestre, do Universitário, da Histeria e do Analista. O analista não ensina. Ele encarna a divisão do sujeito. O saber se desloca. O gozo circula. A verdade falta.
O Seminário XVII, O Saber do Analista, insiste que o analista não sabe. Ele sustenta o não-saber. O saber está no inconsciente. O inconsciente fala, mas não diz. A escuta é política. É ação. A interpretação é corte.
Em seguida, De Um Outro ao outro. Seminário XVIII. Lacan trabalha o significante, o gozo, a letra. O Outro não é mais lugar garantido. O Outro falha. E o sujeito se confronta com esse buraco. A letra fura o sentido. O real aparece.
O Seminário XIX, ... ou Pior, afirma que o sentido é gozo. Que o sujeito goza de não entender. A fala é gozo. O equívoco é estrutura. O sintoma é leitura possível do impossível. Lacan aponta para o sinthoma como novo laço.
No Seminário XX, Mais, Ainda. O gozo feminino é desmedido. Não-todo. Não se inscreve no fálico. A mulher não existe como universal. O gozo feminino é Outro. Não é falta. É excesso. E isso escapa à lógica fálica. A sexualidade é equívoca. O corpo é letra.
O Seminário XXI, Les Non-Dupes Errent, mostra que quem não se deixa enganar pelo semblante se perde. O semblante é necessário. O analista o encarna. Mas sabe que é máscara. O real se diz na fissura da encenação.
No Seminário XXII, RSI, os três registros se amarram: Real, Simbólico e Imaginário. O nó borromeano aparece. Se um se solta, tudo desmorona. O sinthoma surge como quarto elo que amarra o sujeito à linguagem, ao corpo, ao gozo.
O Sinthoma, Seminário XXIII, é Joyce. Lacan lê o escritor como aquele que suplanta o Nome-do-Pai com a escrita. O sinthoma é solução singular. É obra. É amarra. Cada um inventa seu modo de não enlouquecer.
No Seminário XXIV, L’insu que sait de l’une-bévue s’aile à mourre, a palavra falha se faz poema. O lapsus é verdade. A língua goza. O inconsciente se escreve. A letra é carne. A interpretação é poesia.
O Seminário XXV, O Momento de Concluir, mostra que a análise não termina no saber. Termina no sinthoma. No que não muda. O sujeito não se cura. Se reconhece. Se suporta. O fim da análise é um começo.
No Seminário XXVI, Topologia e Tempo, Lacan enrosca o tempo no toro, no nó, no corpo. O tempo não é linear. O desejo tem seu tempo lógico. O sujeito salta. O instante do olhar, o tempo de compreender, o momento de concluir.
E no Seminário XXVII, A Dissolução, Lacan desfaz a Escola. Um ato. Um corte. Não há psicanálise sem ética. Sem furo. Sem real. A Escola morre para que o desejo viva. O analista se autoriza de si mesmo. A psicanálise não se institui. Se encarna.
Esse é o percurso. Uma Odisséia pela fala, pelo corpo, pelo gozo e pela letra. Lacan não nos dá respostas. Nos deixa furos. Nos entrega mapas em forma de espiral. Seus seminários não são doutrina. São trilhas para quem ousa desejar.
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