Pular para o conteúdo principal

POSTAGENS

Aprofundando as Articulações de Totem e Tabu de Freud com Jacques Lacan e Claude Lévi-Strauss

1. Lévi-Strauss: O estruturalismo e a troca como fundamento da cultura Claude Lévi-Strauss, antropólogo francês, lê Totem e Tabu como uma tentativa pioneira, ainda que especulativa de pensar a origem das estruturas sociais. Em sua obra "As estruturas elementares do parentesco" (1949) , ele retoma a tese freudiana do tabu do incesto, mas desloca o foco do parricídio mítico para a troca de mulheres como base estruturante da sociedade . Para Lévi-Strauss, o tabu do incesto não deve ser visto apenas como proibição, mas como condição de possibilidade para a aliança entre grupos . Ao impedir a união sexual dentro do mesmo clã, a cultura obriga os indivíduos a buscar parceiros fora do grupo — é o que ele chama de exogamia , e isso funda o tecido social. A troca de mulheres é, portanto, a primeira forma de circulação simbólica: ao ceder a mulher, o grupo se insere em uma rede de alianças e obrigações. Lévi-Strauss reconhece a importância de Freud em apontar para uma estrutura inc...

Jacques Lacan - Seminário XX: Mais, ainda (1972-1973)


Jacques Lacan - Seminário XX: Mais, ainda (1972-1973)
Neste seminário, Lacan retoma a tensão entre o simbólico e o real, aprofundando o que chamou de gozo feminino aquele gozo que escapa à lógica fálica, que não se submete à lei do pai nem à totalidade do significante. É um gozo que transborda, que excede, que ultrapassa as fronteiras do discurso, do corpo e da linguagem.

Ele introduz a ideia revolucionária de que o inconsciente é a instância suprema do saber - uma espécie de deus na psicanálise. “Deus é inconsciente”, afirma Lacan, não no sentido religioso tradicional, mas na medida em que o inconsciente comanda a estrutura do sujeito, orienta o desejo e escapa ao controle consciente. O inconsciente não é ignorância, é um saber oculto e pulsante.

O gozo, para Lacan, não é apenas prazer. É uma força paradoxal que pode ser também sofrimento, excessos, sofrimento que atravessa o corpo e a psique. O gozo feminino, em especial, representa um excesso que não se regula pela lei do falo, que não se simboliza integralmente e, portanto, inaugura um campo novo para pensar a subjetividade.

Lacan explora como esse gozo se manifesta no sintoma, na pulsão, na repetição. Ele insiste que a análise não visa a eliminar o gozo, mas a desamarrá-lo dos formatos neuróticos que o aprisionam. Liberar o sujeito para que ele crie seus próprios modos de gozar, suas próprias respostas ao real.

Neste seminário, a linguagem volta a ser o campo de batalha e de criação. Lacan insiste que o inconsciente é estruturado como linguagem, mas que o real invade essa estrutura com sua falha, seu furo, sua impossibilidade de ser completamente simbolizado. É nessa tensão que o sujeito se move.

Mais ainda, Lacan apresenta o que chamou de “mais-de-gozar”, uma pulsão que não se satisfaz, que nunca é saciada. É o motor do desejo, mas também da angústia. O mais-de-gozar é o que impele o sujeito a continuar a busca, a análise, a criação, mesmo diante do impossível.

A ética da psicanálise, aqui, se desenha como um compromisso com esse real do gozo. Um convite a não fugir da verdade do desejo, por mais perturbadora que seja. A análise é um convite a atravessar os fantasmas, a confrontar a falta, a habitar o impossível com coragem.

Lacan conclui mostrando que a psicanálise é uma aventura no limite do sentido, uma travessia onde o sujeito pode se inventar. Deus é inconsciente não como uma certeza metafísica, mas como a evocação do saber que nos atravessa e que nunca cessamos de buscar.

No Seminário XXMais, Ainda. O gozo feminino é desmedido. Não-todo. Não se inscreve no fálico. A mulher não existe como universal. O gozo feminino é Outro. Não é falta. É excesso. E isso escapa à lógica fálica. A sexualidade é equívoca. O corpo é letra.

Referências confiáveis

  1. Lacan, Jacques. Le Séminaire, Livre XX: Encore (1972–1973), ed. Seuil

  2. Miller, Jacques-Alain. O gozo feminino e o inconsciente, seminários comentados.

  3. Zizek, Slavoj. O sujeito incômodo e Como Ler Lacan, sobre o seminário Encore.

  4. Soler, Colette. A ética da psicanálise.

  5. Roudinesco, Élisabeth. Lacan: uma biografia intelectual.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Jacques Lacan - Seminário X: A Angústia (1962-1963)

Jacques Lacan - Seminário X: A Angústia (1962-1963) Neste seminário decisivo, Lacan nos convida a olhar de frente aquilo que o sujeito evita: a angústia. Diferente do medo, que tem objeto claro e ameaça externa, a angústia brota do íntimo, do ponto em que o desejo do Outro nos atravessa. Freud dizia que a angústia é sem objeto. Lacan o contradiz: a angústia tem objeto, sim, mas é um objeto estranho, deslocado, um objeto que não é do mundo exterior, e sim um pedaço perdido do sujeito. Este objeto é o famoso objeto a. A angústia se instala quando esse objeto aparece mais do que deveria. Não é sua ausência que angustia, mas sua presença excessiva, invasiva, desmedida. Lacan nos ensina que a angústia é o afeto que não engana. Enquanto os outros afetos podem se disfarçar, podem ser projetados, deslocados, a angústia é pura, direta, sinal do real que se impõe. O sujeito, para Lacan, é um efeito do significante. Ele nasce pela perda, pela entrada na linguagem. Ao ser nomeado, algo de si é a...

Totem e Tabu

Em Totem e Tabu , Freud propõe uma investigação ousada ao buscar correspondências entre o funcionamento psíquico de povos considerados “primitivos” e os processos inconscientes observados em pacientes neuróticos da clínica psicanalítica. A partir de quatro ensaios, ele traça um elo entre o mundo da antropologia e a teoria psicanalítica, inaugurando aquilo que podemos considerar o início de uma antropologia psicanalítica. Essa obra não apenas estende os limites da psicanálise, como propõe que os fundamentos da cultura humana estão enraizados nos conflitos e mecanismos inconscientes que atuam na constituição do sujeito . O primeiro tema central é o totemismo . Freud parte do estudo de sociedades tribais australianas para observar que seus membros se organizam em clãs regidos por um “totem”, geralmente um animal ou planta, que atua como símbolo protetor, ancestral comum e força sagrada. Os membros de um mesmo clã não podem ferir, matar ou consumir seu totem. Além disso, há regras rígida...

Série "8 em Istambul": Um Espelho da Alma Contemporânea

Série "8 em Istambul": Um Espelho da Alma Contemporânea Queridos leitores, hoje lhes trago não apenas a indicação de uma série, mas a partilha de uma travessia. “8 em Istambul” (título original  Bir Başkadır ) não é apenas um produto audiovisual da  Netflix , mas uma pulsação psíquica em forma de drama. Criada e dirigida por  Berkun Oya , estreou em  2020  e traz em seus  8 episódios  uma meditação profunda sobre o inconsciente coletivo de uma sociedade cindida entre tradição e modernidade. É turca em sua forma e humana em seu conteúdo. É Istambul, mas é também São Paulo, Cairo, ou qualquer outra metrópole onde o sagrado e o profano, o patriarcal e o libertário, a palavra e o silêncio, ainda duelam dentro de nós. Sobre o elenco A série conta com atuações profundamente expressivas e humanamente verossímeis.  Öykü Karayel  interpreta  Meryem , uma jovem faxineira que começa a desmaiar sem razão aparente. Seu irmão autoritário,  Yas...