O primeiro tema central é o totemismo. Freud parte do estudo de sociedades tribais australianas para observar que seus membros se organizam em clãs regidos por um “totem”, geralmente um animal ou planta, que atua como símbolo protetor, ancestral comum e força sagrada. Os membros de um mesmo clã não podem ferir, matar ou consumir seu totem. Além disso, há regras rígidas que proíbem relações sexuais entre pessoas do mesmo totem, o que configura a chamada exogamia totêmica. Freud nota que essas proibições não são fundamentadas por razões conscientes ou utilitárias, mas impõem-se como tabus, com força psíquica equivalente à culpa ou à repulsa.
A segunda chave do livro é o conceito de tabu, explorado no segundo ensaio. O tabu é uma proibição de natureza sagrada, não necessariamente justificada racionalmente, mas interiorizada como lei incontornável. Freud identifica no tabu a origem das normas morais, especialmente o interdito do incesto. O tabu, para ele, funciona como uma interdição inconsciente, mantida por mecanismos psíquicos como o recalque. É nessa interdição que a cultura começa: aquilo que não pode ser feito, mesmo que desejado. A ambivalência emocional, amor e ódio simultâneos por uma figura como o pai é essencial aqui, pois ela alimenta tanto o desejo quanto a necessidade de proibição.
No terceiro ensaio, Freud associa os comportamentos obsessivos observados nos neuróticos a rituais culturais e religiosos de povos primitivos. Ele mostra como os sintomas obsessivos (tais como repetições, rituais, sentimentos de culpa) guardam paralelos com as práticas ritualísticas das sociedades arcaicas. Ambos são formas de lidar com desejos reprimidos, especialmente os ligados ao incesto e à agressividade. Os rituais, assim como os sintomas neuróticos, são estratégias para “domesticar” desejos que o sujeito não consegue admitir.
O clímax da obra surge no quarto ensaio, com a hipótese do assassinato do pai primevo. Baseado em Darwin e na ideia de uma horda primitiva liderada por um pai tirânico que monopolizava o acesso às mulheres, Freud propõe que os filhos, movidos pela inveja e desejo, assassinaram esse pai. Após o crime, tomados por culpa, instauraram o totem em sua homenagem e instituíram os tabus do incesto e do parricídio. Essa cena mítica, segundo Freud, marca o nascimento da cultura, da moral e da religião. A figura do pai morto passa a ser venerada, e sua proibição internalizada dá origem ao superego.
Freud afirma que esse “crime original” é reencenado psiquicamente em cada sujeito por meio do complexo de Édipo: o desejo inconsciente de matar o pai e se unir à mãe. É também essa estrutura que fundamenta o surgimento da lei, da organização social e da repressão das pulsões. Dessa forma, a culpa pelo assassinato do pai se inscreve no psiquismo como base da cultura. A religião, especialmente a monoteísta, seria uma sublimação dessa culpa, na qual o pai reaparece como um deus todo-poderoso que exige obediência, mas também oferece proteção.
Esse mito especulativo foi alvo de inúmeras críticas na antropologia e na psicologia social. No entanto, o mérito de Freud não reside em comprovar uma cena histórica literal, mas em propor uma estrutura psíquica simbólica que ilumina as dinâmicas entre sujeito, desejo, lei e cultura. O assassinato do pai não é apenas um evento hipotético, mas uma metáfora da constituição do sujeito e do pacto civilizatório que organiza a vida em sociedade.
Totem e Tabu permanece uma das obras mais audaciosas de Freud, pois nela ele expande a psicanálise para a compreensão dos fundamentos da cultura humana. Suas reflexões inspiraram pensadores como Lacan, Lévi-Strauss, Derrida, Agamben e muitos outros, que viram ali uma tentativa radical de pensar as origens da subjetividade e da civilização. Ao propor que a cultura é fundada na repressão de desejos inconscientes, especialmente os ligados à sexualidade e à agressividade, Freud transforma o modo como entendemos o sujeito moderno.
Para compreender profundamente Totem e Tabu, é necessário familiarizar-se com os conceitos de inconsciente, recalque, complexo de Édipo, ambivalência afetiva e pulsão. Mas, mais que isso, é preciso estar disposto a reconhecer que as estruturas que organizam a cultura, leis, religião, moralidade, têm raízes em conflitos psíquicos que resistem à plena racionalização. Freud, ao aproximar os neuróticos dos “selvagens”, não inferioriza nenhum dos dois. Ao contrário, mostra que todos partilhamos de um mesmo substrato pulsional que a cultura tenta, sem jamais conseguir plenamente, controlar.
Explicação clara e didática sobre a etimologia das palavras totem e tabu, com foco no que é importante para quem estuda Totem e Tabu, de Freud.
TOTEM
Origem da palavra:
A palavra “totem” vem da língua dos povos indígenas da América do Norte, especificamente da língua ojíbua (ou algonquina). Na língua original, a palavra era algo como "odoodem", que significava “o seu clã” ou “sua linhagem”.
Como chegou ao Ocidente:
O termo entrou nas línguas europeias no século XVIII, através dos relatos de missionários e antropólogos que estudavam as culturas indígenas norte-americanas. Em 1791, o inglês John Long usou a forma "totem" em sua obra, e o termo se difundiu entre os estudiosos da antropologia e, depois, entre psicanalistas como Freud.
O que Totem significa:
No sentido original, o totem é geralmente um animal ou planta simbólica que representa um grupo familiar, um clã. Esse ser é considerado protetor, ancestral sagrado e guia espiritual daquele grupo. Os membros do clã acreditam descender do totem e têm proibições relacionadas a ele por exemplo, não podiam comê-lo nem matá-lo.
Para Freud:
Freud vê o totem como uma figura simbólica do pai primitivo, uma forma de representar coletivamente a autoridade, a proteção e a interdição. O totem, para ele, é um substituto do pai morto e funciona como um símbolo que ancora a lei do grupo.
TABU
Origem da palavra:
A palavra “tabu” vem do idioma tonga, falado pelos povos da Polinésia (ilhas como Taiti e Tonga). A palavra original é “tapu”, que significa literalmente:
-
Proibido,
-
Sagrado,
-
Intocável ou
-
Consagrado ao divino.
Como chegou ao Ocidente:
O navegador britânico James Cook, em suas viagens pelo Pacífico Sul no século XVIII, ouviu essa palavra usada pelos habitantes das ilhas e a registrou como “taboo” em inglês. Desde então, passou a ser usada na Europa para designar proibições sagradas e rituais em culturas indígenas.
O que Tabu significa:
Na origem, um tabu é algo que está fora do alcance do contato humano por estar carregado de poder espiritual. Ele pode ser tanto um perigo quanto uma proteção. Por isso, tocar, comer, usar ou se relacionar com aquilo que é tabu pode ser considerado ofensivo ou perigoso.
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