Jacques Lacan - Seminário XXI: Os Não-Subsistentes (1973-1974)
Nesse seminário, Lacan trabalha com a lógica modal, a topologia e a matemática como ferramentas clínicas e filosóficas. Ele retoma a ontologia do não-todo, antecipada no seminário anterior, e a entrelaça com a ideia de que o saber não é um corpo de verdades, mas um circuito de fracassos.
Ao afirmar que o sujeito é um "não-subsistente", Lacan está dizendo que não há substância subjetiva, não há essência interna, não há identidade sólida. O sujeito se constitui como resto de operações simbólicas, como rasura da linguagem, como efeito colateral do significante.
Ele afirma: não é o ser que funda o saber, mas o furo. A verdade é aquilo que fura o saber, que o rompe, que o mostra como incompleto. A linguagem, antes de ser ferramenta de comunicação, é estrutura de divisão, exclusão e corte.
A clínica se desloca aqui da interpretação para a manipulação da estrutura. O analista não busca mais revelar verdades escondidas, mas criar condições para que o sujeito se confronte com sua própria inconsistência. É no ato de se colocar diante da falha que o sujeito pode se reinventar.
A presença do real se intensifica neste seminário. O real não é apenas aquilo que resiste à simbolização. É o que insiste, o que retorna, o que incomoda. O real é o impossível que sustenta o possível. É o limite que funda a experiência. É o ponto onde o saber falha, e por isso mesmo pulsa.
Lacan inova ao tratar do sintoma não como algo a ser eliminado, mas como um parceiro do sujeito. O sintoma é o que resta quando o saber falha. É o que dá forma ao impossível. É o que cola o sujeito ao seu gozo. Assim, o trabalho analítico passa a ser um percurso ético de transfiguração do sintoma de sofrimento a estilo, de dor a escritura.
No plano filosófico, este seminário é um diálogo com Parmênides, com Platão e com os modernos. Lacan desafia a metafísica ao recusar qualquer ideia de ser que subsista. Para ele, só há movimento, furo, repetição e desejo.
Ao final do seminário, Lacan nos deixa diante de uma questão crucial: se o sujeito não subsiste, se o saber é falho, se o gozo é opaco, o que sustenta a vida? Ele responde sem hesitação: o desejo. Não um desejo de completude, mas o desejo como motor, como errância, como invenção constante.
No Seminário XXII, RSI, os três registros se amarram: Real, Simbólico e Imaginário. O nó borromeano aparece. Se um se solta, tudo desmorona. O sinthoma surge como quarto elo que amarra o sujeito à linguagem, ao corpo, ao gozo.
Referências confiáveis
-
Lacan, Jacques. Le Séminaire, Livre XXI: Les Non-dupes errent (1973–1974), inédito oficialmente, transcrito por Jacques-Alain Miller.
-
Miller, Jacques-Alain. Curso "Os Usos do Saber", 1974.
-
Zizek, Slavoj. A subjetividade por vir, em diálogo com este seminário.
-
Soler, Colette. Lacan, o inconsciente reinventado.
-
Laurent, Éric. A política dos sintomas e os não-subsistentes.
Comentários
Postar um comentário