Ano: 1974-1975
RSI não é um título simbólico, é a sigla exata: Real, Simbólico, Imaginário. Três registros que até então funcionavam como categorias clínicas e epistemológicas ganham agora corpo, forma, existência topológica. Lacan não quer mais que pensemos esses registros como ideias, mas como anéis entrelaçados. Como nós que, se um se desfaz, todos se desfazem.
O nó borromeano, vindo da heráldica lombarda, é tomado como metáfora real da consistência psíquica. Três anéis entrelaçados de tal forma que, se um se soltar, os outros dois não se mantêm juntos. Assim é o sujeito: uma trama de três ordens que só existe se amarradas corretamente. Um deslize, uma torção, e o sintoma aparece como suplência. A psicose como desamarração. A neurose como deslocamento. O sinthoma como quarto termo.
Neste seminário, Lacan está menos interessado no saber e mais na estrutura. Ele diz que o simbólico já não governa como outrora pensava. O simbólico falha. Não garante. O real invade. O imaginário engana. A linguagem não fecha, a verdade escapa, o gozo excede.
E é nesse excesso que Lacan introduz o sinthoma. O que é o sinthoma? Um quarto nó. Uma amarração suplementar. Uma invenção do sujeito para manter unidos os três registros quando estes falham em seu entrelaçamento natural. O sinthoma é um modo singular de existir, uma maneira de suportar o real com os próprios meios. É o estilo do sujeito. É a escritura de seu corpo.
Aqui Lacan já está próximo de Joyce. E anuncia que é nele, no escritor irlandês, que o sinthoma se faz evidente. Joyce teria feito de sua escrita uma amarração substituta para uma falha no Simbólico. Com sua obra, teria criado um quarto nó que sustentou sua subjetividade. Um sinthoma em forma de literatura.
O Real não é mais o impossível, agora é o que não cessa de não se escrever. É o ponto opaco. É o que escapa à simbolização, mas insiste. O Real se apresenta onde o saber não alcança. É o que fura o Simbólico. O Imaginário, antes domínio das imagens e ilusões, agora se mostra como suporte necessário para o corpo, para o gozo, para o desejo.
Este seminário é também um divisor de águas na clínica. A questão já não é apenas interpretar o inconsciente, mas operar com a estrutura. O analista torna-se um operador de nós, um manipulador de amarrações. A cura não é o retorno ao normal, mas a invenção de um sinthoma viável.
Lacan leva a sério sua aposta na matemática, na topologia e na física para repensar a subjetividade. Ele cria esquemas, desenha, amarra cordas em sala de aula. O Seminário XXII é quase performático. Ele quer que vejamos com os olhos, que toquemos com os dedos, que experimentemos o psiquismo como uma topologia em ato.
Não há mais inconsciente estruturado como linguagem. Agora há o inconsciente como nó, como furo, como costura. A linguagem permanece, mas como superfície de inscrição. O gozo é o ponto de rasgo. E o sinthoma, a costura possível.
Ao final, Lacan não oferece conclusões, mas uma nova prática. Uma prática sem garantias, sem mestres, sem totalidade. Apenas nós, cordas, cortes e repetições. A vida como uma escrita torta que insiste em fazer sentido.
Observação: Em Psicanálise, o termo "sinthoma" (com "th") é usado por Jacques Lacan para se referir ao sintoma em sua dimensão de criação/invenção do sujeito, como uma resposta singular ao real. É uma forma de cifrar o gozo e pode ser entendido como uma espécie de "assinatura" do sujeito, algo que lhe é próprio e que o distingue.
O Sinthoma, Seminário XXIII, é Joyce. Lacan lê o escritor como aquele que suplanta o Nome-do-Pai com a escrita. O sinthoma é solução singular. É obra. É amarra. Cada um inventa seu modo de não enlouquecer.
Referências confiáveis
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Lacan, Jacques. Le Séminaire, Livre XXII: RSI (1974–1975). Transcrição por Jacques-Alain Miller.
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Miller, Jacques-Alain. Introdução à Topologia Lacaniana.
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Soler, Colette. O inconsciente a céu aberto.
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Nasio, Juan-David. O nó borromeano e o sintoma.
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Laurent, Éric. Do nó ao sinthoma: clínica da amarração.
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