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POSTAGENS

Aprofundando as Articulações de Totem e Tabu de Freud com Jacques Lacan e Claude Lévi-Strauss

1. Lévi-Strauss: O estruturalismo e a troca como fundamento da cultura Claude Lévi-Strauss, antropólogo francês, lê Totem e Tabu como uma tentativa pioneira, ainda que especulativa de pensar a origem das estruturas sociais. Em sua obra "As estruturas elementares do parentesco" (1949) , ele retoma a tese freudiana do tabu do incesto, mas desloca o foco do parricídio mítico para a troca de mulheres como base estruturante da sociedade . Para Lévi-Strauss, o tabu do incesto não deve ser visto apenas como proibição, mas como condição de possibilidade para a aliança entre grupos . Ao impedir a união sexual dentro do mesmo clã, a cultura obriga os indivíduos a buscar parceiros fora do grupo — é o que ele chama de exogamia , e isso funda o tecido social. A troca de mulheres é, portanto, a primeira forma de circulação simbólica: ao ceder a mulher, o grupo se insere em uma rede de alianças e obrigações. Lévi-Strauss reconhece a importância de Freud em apontar para uma estrutura inc...

A Teoria do Inconsciente em Psicanálise

A Teoria do Inconsciente em Psicanálise

A Teoria do Inconsciente em Psicanálise

Etimologicamente, a palavra “inconsciente” vem do latim in- (não) + conscientia (conhecimento). Literalmente, algo que não é conhecido. Desde sua origem, ela carrega a tensão entre o saber e o oculto. Essa tensão ilumina o núcleo da psicanálise que é a existência de processos psíquicos que moldam nosso pensar, sentir e agir sem que tenhamos acesso direto.

Na psicanálise de Freud, o inconsciente emerge como descoberta revolucionária, fundamental para entender a subjetividade. Freud observou, em pacientes histéricas e em fenômenos como atos falhos, sonhos, sintomas, que existiam conteúdos psíquicos ativos, recalcados, que exerciam pressão contínua sobre a consciência (Ipa World). Quando, na obra “O Inconsciente” (1915), ele defendeu que sem esse conceito seria impossível explicar vários fenômenos mentais, ele estava estabelecendo a metapsicologia do aparelho psíquico (Ipa World).

A topografia freudiana divide a mente em inconsciente, pré‑consciente e consciente, cada um com sua dinâmica. No inconsciente estão pulsões recalcadas, desejos proibidos, memórias inacessíveis, mas que atuam. O pré‑consciente é ponte entre os dois, enquanto o consciente é apenas a ponta do iceberg psíquico (SciELO Brasil, SciELO). Esse aparato permite compreender que o sujeito não é completamente senhor de si, pois há forças subterrâneas que o movem.

Lacan relê Freud pela via da linguística e do estruturalismo. Para ele, o inconsciente é estruturado como uma linguagem. Os processos inconscientes seguem leis de condensação e deslocamento, semelhantes às metáforas e metonímias na linguagem (ResearchGate, Academia). Para Lacan, o inconsciente não apenas guarda conteúdos reprimidos, mas é produção simbólica, tecido de significantes. O sujeito emerge no inconsciente pela cadeia simbólica e pela dimensão do Outro, onde se inscrevem os desejos, as proibições e as falhas linguísticas.

A neurociência contemporânea dialoga com essas ideias clássicas. O artigo “O inconsciente e a consciência: da psicanálise à neurociência” examina o Projeto Freudiano, apresenta críticas como as de Searle, e traz as contribuições de Damásio e Edelman, sugerindo que processos inconscientes têm correlatos em redes neurais e sistemas afetivos (Pepsic). A neuropsicanálise, fundada por Solms e outros, mostra como regiões como sistema límbico, córtex pré‑frontal e a rede neural padrão, participam da construção inconsciente de significados, memórias e expectativas (Wikipédia).

Freud falava de “impressão permanente” em 1895 como hipótese prévia à descoberta da memória e do inconsciente posterior (Wikipédia). Esses conhecimentos inauguram uma ponte entre psicologia dinâmica e neurociência, produzindo uma abordagem integrada, que honra o método clínico, mas dialoga com evidências empíricas do funcionamento cerebral e redes de processamento de informações.

Na clínica psicanalítica, o inconsciente aparece cifrado. Em atos falhos, sintomas, sonhos, repetições, ele se revela pelo que resiste à consciência. O analista tem a função de escutar essas formações inconscientes, auxiliando o sujeito a trazer à luz os significados reprimidos e a dar nome ao que o afeta. Nessa escuta ética, reconhece‑se que o inconsciente tem inteligência própria, não é caos, mas segue suas próprias leis (Revista Questão de Ciência, Ipa World).

A teoria da transformação em Lacan aponta que a leitura do inconsciente exige atravessar simbolicamente os registros imaginário, real e simbólico, promovendo uma consistência subjetiva mais verdadeira (Pepsic). O inconsciente rompe a ideia de sujeito cartesiano, linear, consciente, introduzindo sujeito dividido, estruturado pela linguagem e pela falta.

Em resumo, a teoria do inconsciente na psicanálise é um farol poético e filosófico sobre o sujeito humano. Ela nos mostra que somos regidos também pelo que ignoramos: memórias ocultas, pulsões, fantasias, desejos recalcados. Esses elementos invisíveis estruturam nossa linguagem, nossos sintomas, nossos afetos. A neurociência contemporânea amplia esse olhar, identificando as bases cerebrais de processos inconscientes, reforçando a originalidade da psicanálise e fortalecendo sua posição no diálogo com as ciências da mente.

Outras Obras Essenciais que Tocam no Inconsciente:

Embora "A Interpretação dos Sonhos" seja o carro-chefe, o inconsciente é um tema que permeia praticamente toda a obra de Freud. Outras leituras importantes para entender mais sobre ele incluem:

  • "O Ego e o Id" (1923): Aqui, Freud refina sua teoria da estrutura da personalidade, introduzindo os conceitos de Id (totalmente inconsciente, sede das pulsões), Ego e Superego. Ele mostra como o inconsciente não se restringe apenas ao Id, mas também a partes do Ego e do Superego.

  • "Além do Princípio do Prazer" (1920): Neste livro, ele aborda a compulsão à repetição e aprofunda a ideia das pulsões, especialmente a pulsão de morte, que também reside no inconsciente e vai além da busca pelo prazer.

  • Ensaios de Metapsicologia, especialmente o ensaio "O Inconsciente" (1915): É um texto mais teórico e direto sobre a natureza do inconsciente, suas qualidades e como ele se manifesta.

Referências bibliográficas

Freud, S. (1915). O Inconsciente. Disponível em IPA: O INCONSCIENTE – International Psychoanalytical Association (Ipa World)
Gallegos, M. (ano). A noção de inconsciente em Freud: antecedentes e elaborações teóricas. SciELO (SciELO Brasil)
Lyra, C. E. de S. (…). O inconsciente e a consciência: da psicanálise à neurociência. PePSIC SciELO (Pepsic)
Solms, M. & Turnbull, O. H. (2011). What Is Neuropsychoanalysis? Neuropsychoanalysis (en.wikipedia.org)
Eidelsztein, A. O inconsciente em Freud e Lacan. ResearchGate (ResearchGate)
Lacan, J. Diálogos de Lacan na reinvenção do inconsciente. Academia.edu (Academia)
Peircic, P. (…). Teoria da transformação em psicanálise. PePSIC (Pepsic)

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