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A Teoria do Inconsciente em Psicanálise

A Teoria do Inconsciente em Psicanálise Etimologicamente, a palavra “inconsciente” vem do latim in- (não) + conscientia (conhecimento). Literalmente, algo que não é conhecido. Desde sua origem, ela carrega a tensão entre o saber e o oculto. Essa tensão ilumina o núcleo da psicanálise que é a existência de processos psíquicos que moldam nosso pensar, sentir e agir sem que tenhamos acesso direto. Na psicanálise de Freud, o inconsciente emerge como descoberta revolucionária, fundamental para entender a subjetividade. Freud observou, em pacientes histéricas e em fenômenos como atos falhos, sonhos, sintomas, que existiam conteúdos psíquicos ativos, recalcados, que exerciam pressão contínua sobre a consciência ( Ipa World ). Quando, na obra “O Inconsciente” (1915), ele defendeu que sem esse conceito seria impossível explicar vários fenômenos mentais, ele estava estabelecendo a metapsicologia do aparelho psíquico ( Ipa World ). A topografia freudiana divide a mente em inconsciente, pré‑...

Jacques Lacan - Função e Campo da Fala e da Linguagem em Psicanálise (1953)


Função e Campo da Fala e da Linguagem em Psicanálise (1953)
Aqui começa o Lacan que ecoará por décadas. Neste texto inaugural da sua doutrina, lido na abertura dos Trabalhos da Sociedade Francesa de Psicanálise em Roma, em setembro de 1953, Lacan funde a psicanálise ao campo da linguagem. Não mais a psicanálise como técnica terapêutica. Mas como discurso que se inscreve na estrutura do sujeito.

O título já anuncia o corte. A fala é ato. A linguagem é estrutura. A escuta analítica não se dirige ao conteúdo do que se diz, mas ao modo como se diz. O inconsciente é efeito da fala. E o sujeito, em Lacan, será aquele que é falado antes de falar.

Neste texto, Lacan retoma Saussure, Jakobson, Lévi-Strauss, e os instala sobre Freud. Ele diz que Freud nunca foi psicologista, mas linguista avant la lettre. A linguagem é o solo onde o desejo se escreve. Não há sujeito fora da linguagem. O sujeito é um efeito do significante. O significante é aquilo que representa um sujeito para outro significante. Essa é a chave.

Lacan escreve: o inconsciente é estruturado como uma linguagem. Com isso, ele desloca a psicanálise do campo da consciência para o campo do simbólico. O sintoma é uma metáfora, a transferência é uma cadeia significante, a resistência é uma estrutura de linguagem. Tudo se inscreve no significante. O Eu é um efeito de imagem, o desejo é articulado pelo Outro.

Neste texto, ele introduz a noção do Sujeito Suposto Saber, que marcará a função da transferência. O analista, na análise, não é quem sabe, mas aquele sobre quem o saber é suposto. A análise se funda nessa suposição e se desfaz quando ela é atravessada.

Lacan recoloca a psicanálise no campo da ética. Ele afirma: “O analista não deve ceder quanto ao seu desejo”. O analista não guia o analisando para o bem, para a cura ou para a adaptação, mas sustenta o campo do desejo. A psicanálise não é uma técnica de normatização, mas de verdade. E essa verdade é fendida, dividida, inconclusa.

A linguagem, diz ele, nos habita antes de sermos corpo. O significante funda o sujeito, mas o esvazia. Não há sujeito sem perda. O significante corta, divide, opera. E o desejo surge como resposta a essa falta.

Neste escrito, a psicanálise encontra sua morada na linguagem. A clínica passa a ser escuta da letra. A fala do paciente é lida como texto. Não se escuta a alma. Escuta-se o corte. A fala analítica é ato, é performativa, é passagem. O analista interpreta como quem torce um texto, não como quem explica um sintoma.

Esse texto funda a virada simbólica. Marca a ruptura com a IPA (Associação Psicanalítica Internacional), que criticava Lacan por sua ênfase teórica e por sua técnica baseada na duração variável das sessões. Aqui, Lacan ergue sua bandeira: a psicanálise como ciência do sujeito falante. A escuta como ato ético. A clínica como cartografia da linguagem.

A linguagem é anterior ao sujeito. A fala é constitutiva. O analista é aquele que sustenta a divisão, o furo, o desejo. E o inconsciente, como diz Lacan, é aquilo que se diz onde não se pensa.

Referências sobre o texto "Função e campo da fala e da linguagem em psicanálise"

  1. LACAN, Jacques.
    Escritos. Tradução de Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Zahar, 1998.
     - Texto integral de “Função e campo da fala e da linguagem em psicanálise”, leitura obrigatória para todo estudioso de Lacan.

  2. MILLER, Jacques-Alain.
    Introdução aos Escritos de Jacques Lacan. Rio de Janeiro: Zahar, 1998.
     - Miller contextualiza cada texto dos Escritos com precisão clínica e estrutural.

  3. RAGLAND, Ellie.
    Jacques Lacan and the Philosophy of Psychoanalysis. University of Illinois Press, 1991.
     - Análise profunda da virada linguística no pensamento de Lacan a partir deste texto inaugural.

  4. NASSIF, Jorge.
    Leituras de Lacan. São Paulo: Escuta, 2012.
     - Excelente introdução à leitura dos Escritos, com foco especial neste artigo.

  5. FINK, Bruce.
    Lacan to the Letter: Reading Écrits Closely. University of Minnesota Press, 2004.
     - Leitura detalhada e crítica das principais teses lacanianas presentes no “Função e campo...”.

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