Função e Campo da Fala e da Linguagem em Psicanálise (1953)
Aqui começa o Lacan que ecoará por décadas. Neste texto inaugural da sua doutrina, lido na abertura dos Trabalhos da Sociedade Francesa de Psicanálise em Roma, em setembro de 1953, Lacan funde a psicanálise ao campo da linguagem. Não mais a psicanálise como técnica terapêutica. Mas como discurso que se inscreve na estrutura do sujeito.
O título já anuncia o corte. A fala é ato. A linguagem é estrutura. A escuta analítica não se dirige ao conteúdo do que se diz, mas ao modo como se diz. O inconsciente é efeito da fala. E o sujeito, em Lacan, será aquele que é falado antes de falar.
Neste texto, Lacan retoma Saussure, Jakobson, Lévi-Strauss, e os instala sobre Freud. Ele diz que Freud nunca foi psicologista, mas linguista avant la lettre. A linguagem é o solo onde o desejo se escreve. Não há sujeito fora da linguagem. O sujeito é um efeito do significante. O significante é aquilo que representa um sujeito para outro significante. Essa é a chave.
Lacan escreve: o inconsciente é estruturado como uma linguagem. Com isso, ele desloca a psicanálise do campo da consciência para o campo do simbólico. O sintoma é uma metáfora, a transferência é uma cadeia significante, a resistência é uma estrutura de linguagem. Tudo se inscreve no significante. O Eu é um efeito de imagem, o desejo é articulado pelo Outro.
Neste texto, ele introduz a noção do Sujeito Suposto Saber, que marcará a função da transferência. O analista, na análise, não é quem sabe, mas aquele sobre quem o saber é suposto. A análise se funda nessa suposição e se desfaz quando ela é atravessada.
Lacan recoloca a psicanálise no campo da ética. Ele afirma: “O analista não deve ceder quanto ao seu desejo”. O analista não guia o analisando para o bem, para a cura ou para a adaptação, mas sustenta o campo do desejo. A psicanálise não é uma técnica de normatização, mas de verdade. E essa verdade é fendida, dividida, inconclusa.
A linguagem, diz ele, nos habita antes de sermos corpo. O significante funda o sujeito, mas o esvazia. Não há sujeito sem perda. O significante corta, divide, opera. E o desejo surge como resposta a essa falta.
Neste escrito, a psicanálise encontra sua morada na linguagem. A clínica passa a ser escuta da letra. A fala do paciente é lida como texto. Não se escuta a alma. Escuta-se o corte. A fala analítica é ato, é performativa, é passagem. O analista interpreta como quem torce um texto, não como quem explica um sintoma.
Esse texto funda a virada simbólica. Marca a ruptura com a IPA (Associação Psicanalítica Internacional), que criticava Lacan por sua ênfase teórica e por sua técnica baseada na duração variável das sessões. Aqui, Lacan ergue sua bandeira: a psicanálise como ciência do sujeito falante. A escuta como ato ético. A clínica como cartografia da linguagem.
A linguagem é anterior ao sujeito. A fala é constitutiva. O analista é aquele que sustenta a divisão, o furo, o desejo. E o inconsciente, como diz Lacan, é aquilo que se diz onde não se pensa.
Referências sobre o texto "Função e campo da fala e da linguagem em psicanálise"
-
LACAN, Jacques.
Escritos. Tradução de Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Zahar, 1998.
- Texto integral de “Função e campo da fala e da linguagem em psicanálise”, leitura obrigatória para todo estudioso de Lacan. -
MILLER, Jacques-Alain.
Introdução aos Escritos de Jacques Lacan. Rio de Janeiro: Zahar, 1998.
- Miller contextualiza cada texto dos Escritos com precisão clínica e estrutural. -
RAGLAND, Ellie.
Jacques Lacan and the Philosophy of Psychoanalysis. University of Illinois Press, 1991.
- Análise profunda da virada linguística no pensamento de Lacan a partir deste texto inaugural. -
NASSIF, Jorge.
Leituras de Lacan. São Paulo: Escuta, 2012.
- Excelente introdução à leitura dos Escritos, com foco especial neste artigo. -
FINK, Bruce.
Lacan to the Letter: Reading Écrits Closely. University of Minnesota Press, 2004.
- Leitura detalhada e crítica das principais teses lacanianas presentes no “Função e campo...”.
Comentários
Postar um comentário