A palavra "desejo" nasce do latim desiderium, que carrega consigo o peso de uma ausência. Desejar é sentir falta de uma estrela que se apagou do céu da alma. Essa raiz etimológica já sussurra aquilo que a psicanálise ecoará de forma contundente: o desejo é falta. É aquilo que nos move, não pelo que temos, mas pelo que nos escapa. Desejar é dançar com a ausência, é caminhar sobre o abismo do que nunca se possui por completo.
Na obra de Freud, o desejo é pulsão revestida de significação psíquica. Ele se manifesta como libido, essa energia que atravessa o corpo e o pensamento, moldando fantasias, sonhos, lapsos e repetições. Freud mostra que o desejo não se limita à satisfação de uma necessidade. Ao contrário, ele nasce justamente quando a necessidade não encontra um objeto pleno. A criança chora pelo seio da mãe, mas recebe, junto ao leite, o olhar, a voz, o tempo. O desejo surge como um resto, um excesso, uma sobra que insiste, que retorna, que nunca cessa.
O inconsciente, como descoberto por Freud, é tecido de desejos recalcados. Desejos que a consciência tentou sufocar, mas que reaparecem travestidos no sonho, no ato falho, no sintoma. A clínica psicanalítica, então, é um espaço para escutar o que o sujeito não sabe que deseja. Escutar o que, em silêncio, governa sua história.
Lacan, ao reler Freud pela via da linguística, dirá que o desejo é efeito da linguagem. Mais do que isso, dirá que o desejo é o desejo do Outro. Isso significa que nosso desejo nunca é puramente nosso. Desejamos aquilo que o Outro nos aponta como desejável. Desde a infância, o olhar do Outro nos molda, nos oferece imagens, palavras, identificações. Desejar, portanto, é entrar na cadeia dos significantes. É habitar uma falta estrutural. Lacan vai além e nos apresenta a noção do "objeto a", que não é o objeto do desejo, mas sua causa. É aquilo que, por faltar, nos lança no movimento do querer. Esse objeto é sempre perdido, sempre deslocado, sempre além do alcance.
O desejo, na psicanálise, não é uma carência que se preenche. É uma estrutura que se sustenta na ausência. É por isso que ele é inexaurível. Quando pensamos tê-lo alcançado, ele já se transformou. O sujeito que deseja está sempre em movimento, sempre em falta, sempre em construção. Esse é o motor da subjetividade.
Na clínica, o desejo aparece de modo cifrado. Ele se manifesta nos sintomas que se repetem, nas escolhas que parecem erradas, nos amores impossíveis, nos fracassos repetidos. O analista não é aquele que realiza o desejo do analisando, mas aquele que sustenta a escuta de seu desejo. A função do analista é, como disse Lacan, “ser causa de desejo”, isto é, provocar no sujeito a pergunta sobre o que verdadeiramente quer. Isso implica uma ética do desejo, que não se confunde com o hedonismo nem com a moral. Trata-se de sustentar a falta, de suportar a angústia que nasce do querer e de enfrentar a verdade que o desejo revela.
A neurociência atual tem se aproximado dessa visão ao estudar o papel da dopamina e das redes cerebrais responsáveis pela antecipação e projeção de metas. Estudos sobre o sistema de recompensa e o córtex pré-frontal mostram que o cérebro humano está programado não apenas para satisfazer necessidades, mas para desejar. O desejo, nesse campo, aparece como expectativa, como previsão, como construção simbólica de um futuro possível. Isso dialoga com o que Freud intuía ao falar da “projeção do desejo no futuro”, e com Lacan ao destacar que o desejo é sempre devir.
O desejo, portanto, é a tensão que sustenta o humano entre o que se é e o que se quer ser. Ele funda a linguagem, a arte, o amor e o sofrimento. É pela via do desejo que nos tornamos sujeitos. E é pela escuta do desejo que a psicanálise opera. A análise não é uma técnica de cura, mas um campo onde o sujeito pode encontrar seu lugar de desejo e responsabilizar-se por ele. Não há resposta definitiva ao que se deseja. O desejo é pergunta viva. É falta viva. É poesia do inconsciente.
Na travessia do desejo, o sujeito encontra a si mesmo não como unidade, mas como enigma. O desejo nos desafia a habitar o vazio, a suportar o incompleto, a inventar sentido onde a lógica fracassa. E talvez aí resida o mais humano do humano: desejar.
Em outras palavras, o desejo é a expressão psíquica da pulsão, moldada pelas experiências e pelo inconsciente.
Reflexão: O Desejo e a Pulsão é a mesma coisa em Psicanálise? Resposta: Em psicanálise, o desejo é intrinsecamente ligado à pulsão, mas eles não são exatamente a mesma coisa.
A pulsão é um conceito mais fundamental e biológico, representando uma força constante que impulsiona o indivíduismo, originada em uma fonte somática e buscando uma satisfação que alivia uma tensão. É uma energia psíquica que busca a descarga. Freud descreveu as pulsões como instâncias intermediárias entre o somático e o psíquico. Existem as pulsões de vida (Eros), que englobam as pulsões sexuais e de autoconservação, e a pulsão de morte (Thanatos), que busca o retorno a um estado inorgânico.
O desejo, por sua vez, é a manifestação psíquica dessa pulsão. Ele surge da experiência de satisfação e da subsequente perda dessa satisfação. O desejo é a busca por reencontrar essa experiência original de prazer, mas, por ser uma representação psíquica, ele nunca pode ser totalmente satisfeito da mesma forma que uma necessidade biológica (como a fome). O desejo é, portanto, inesgotável e está sempre em busca de novos objetos para se realizar, mesmo que de forma simbólica ou substitutiva.
Podemos entender a relação da seguinte forma:
Pulsão: É a energia fundamental, o motor.
Desejo: É a forma como essa energia se manifesta e se articula no psiquismo, sempre em busca de uma satisfação que remete a uma experiência passada, mas que nunca é plenamente alcançada.
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