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Mostrando postagens com o rótulo Lacan

Atravessar o fantasma na psicanálise lacaniana: o encontro com a falta e a liberdade do desejo

Atravessar o fantasma na psicanálise lacaniana: o encontro com a falta e a liberdade do desejo Você já parou para pensar que muito do que chamamos de vida é guiado por um roteiro invisível? Lacan chamou esse roteiro de fantasma. É uma cena interna, quase um teatro silencioso, que dá sentido ao nosso desejo e ao nosso sofrimento. Mas o que acontece quando percebemos que esse teatro não é a vida real, e que somos mais do que o personagem que atuamos? É aqui que entra um dos conceitos mais provocativos da psicanálise lacaniana: atravessar o fantasma. Essa é a experiência em que o sujeito se separa da ilusão que sustenta suas repetições e aceita a falta como algo constitutivo, não para eliminá-la, mas para lidar com ela de forma criativa e responsável. O que é o fantasma para Lacan Na teoria lacaniana, o fantasma é a estrutura imaginária que organiza o desejo . Ele é formado pelas marcas do inconsciente , pelas experiências com o outro e pelas perdas iniciais que moldam nossa subjetiv...

Os Quatro Temperamentos e a Antiga Arte de Ler a Alma Humana

Os Quatro Temperamentos e a Antiga Arte de Ler a Alma Humana A humanidade sempre buscou compreender o enigma que pulsa por trás dos olhos de cada pessoa . Antes mesmo de a psicanálise nascer, já havia tentativas de classificar o que hoje chamamos de personalidade . Entre esses modelos, poucos sobreviveram tão longamente quanto a teoria dos quatro temperamentos . Mais do que uma curiosidade histórica, trata-se de uma lente que atravessou milênios, unindo medicina, filosofia e psicologia . Sua origem remonta à Grécia Antiga, quando Hipócrates, considerado o pai da medicina, lançou as bases dessa classificação . Séculos depois, Galeno refinou e ampliou essa teoria, estabelecendo uma visão de mundo onde corpo e alma dançavam ao mesmo ritmo dos humores que circulavam em nossas veias. Essa antiga concepção não apenas moldou a medicina ocidental por mais de mil anos, mas também influenciou profundamente a forma como entendemos a natureza humana. Ainda que a ciência moderna já tenha abandon...

Neurose obsessiva: quando o pensamento se torna prisão

Neurose obsessiva: quando o pensamento se torna prisão Pensar demais pode parecer, à primeira vista, um sinal de inteligência ou de responsabilidade. Mas há casos em que o excesso de pensamento não é sinal de lucidez, e sim de sofrimento. Na clínica psicanalítica, esse modo de funcionar aparece com força na neurose obsessiva , uma das grandes estruturas clínicas descritas por Freud e aprofundadas por Lacan. A neurose obsessiva é marcada por uma intensa atividade mental : o sujeito pensa compulsivamente, rumina ideias, revisita eventos passados, tenta prever o futuro, ensaia falas, arrepende-se de atos e se tortura com dúvidas . Em alguns casos, surgem também rituais e comportamentos repetitivos que servem para aliviar a angústia mas nem sempre de forma eficaz. O obsessivo pensa para não agir. Pensa para não desejar. Seu pensamento é, muitas vezes, uma defesa contra a angústia que o desejo provoca . Freud observou que o obsessivo é tomado por uma culpa inconsciente : teme que seus p...

Ansiedade, tristeza, depressão e melancolia: as nuances da dor psíquica

Ansiedade, tristeza, depressão e melancolia são experiências humanas distintas, embora comumente confundidas no discurso cotidiano. Cada uma tem uma natureza própria, causas específicas e manifestações singulares no corpo e na mente. Para compreendê-las com profundidade, é necessário olhar para suas raízes etimológicas, seus fundamentos psíquicos e seus efeitos sobre o sujeito. Ansiedade  deriva do latim  anxietas , que remete ao estado de sufocamento, de inquietação interna. Ela é uma resposta natural do organismo diante de uma ameaça, seja real ou imaginária. Trata-se de uma tensão antecipatória que se manifesta tanto no corpo (taquicardia, sudorese, tremores) quanto na mente (ruminações, medo do futuro, sensação de que algo ruim vai acontecer). Na psicanálise, Freud já apontava que a ansiedade está ligada à angústia de separação, à perda de algo vital ou ao conflito entre pulsões. É uma das primeiras manifestações que podem surgir diante de sobrecargas emocionais. Tristeza ...

Neurose, Psicose e Perversão

Neurose, Psicose e Perversão: três respostas do sujeito à castração No breve e denso texto “Neurose e Psicose” (1924), Sigmund Freud nos oferece uma contribuição essencial para compreender as estruturas clínicas fundamentais da psicanálise. Mesmo que a perversão não seja o foco central do ensaio, ela se articula à reflexão de maneira implícita, pois, para Freud, as neuroses, as psicoses e as perversões não são doenças isoladas, mas modos distintos de resposta do sujeito diante da realidade, do desejo e da perda estrutural que marca a condição humana . Freud parte de um ponto essencial: toda experiência subjetiva se organiza a partir do conflito entre o Eu (ego), o mundo externo e as exigências pulsionais do inconsciente. A subjetividade não é um dado pronto. Ela se constitui por meio de defesas, recalques, construções simbólicas e tentativas de dar sentido àquilo que escapa à razão. Nesse cenário, a realidade externa impõe limites, e o sujeito precisa lidar com a frustração, com a ...

A perversão e seu lugar na cultura contemporânea

A perversão e seu lugar na cultura contemporânea Na tradição psicanalítica, a perversão nunca foi pensada como um simples "desvio moral" ou um "comportamento sexual anômalo". Para Freud e Lacan, a perversão é uma estrutura clínica , uma forma singular de o sujeito se posicionar diante da castração, do desejo e da Lei. Porém, ao deslocarmos o olhar para o cenário cultural atual, é possível perceber como o funcionamento perverso que outrora aparecia com mais nitidez nos indivíduos  passa a marcar também a lógica social , política e até econômica. A perversão, hoje, está menos nos consultórios e mais nas vitrines, nos algoritmos, nas telas e nos discursos. Freud, em textos como Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade , desmistificou a sexualidade humana ao mostrar que ela não é natural nem normal no sentido médico-moral do termo. O que chamamos de “perversões” voyeurismo, fetichismo, masoquismo, entre outras são, na verdade, formas fundamentais do desejo humano ...

Seminário VI de Lacan: O Desejo e sua Interpretação

Seminário VI de Lacan: O Desejo e sua Interpretação No Seminário VI, Lacan finca de vez o estandarte da psicanálise como uma escuta do desejo. O que está em jogo aqui não é apenas uma teoria do desejo, mas um deslocamento ético, clínico e político que recoloca a psicanálise no campo do impossível. Não se trata de compreender o desejo, nem de satisfazê-lo, mas de interpretá-lo , ou melhor, de permitir que ele se diga. O desejo não é algo que se possui. É aquilo que escapa, que desliza, que estrutura o sujeito e que o exila de qualquer completude. O desejo, diz Lacan, é sempre o desejo do Outro. Essa frase se repete como uma batida de tambor ao longo do seminário. O sujeito deseja aquilo que falta ao Outro, aquilo que ele acredita que o Outro deseja dele. Desejamos por mediação, por fantasia, por linguagem. O desejo não nasce do corpo, mas do campo simbólico. E sua lógica é a da metonímia, da substituição incessante de objetos que nunca satisfazem plenamente. O sujeito deseja porque é ...

Seminário V de Lacan: As formações do inconsciente e a estrutura do desejo

Seminário V de Lacan: As formações do inconsciente e a estrutura do desejo No ciclo de 1957 a 1958, Jacques Lacan realiza o Seminário V, intitulado As formações do inconsciente. Aqui, ele retorna ao coração da clínica freudiana, tomando como ponto de partida os chistes, atos falhos, sonhos e sintomas para demonstrar como o inconsciente é estruturado como uma linguagem. A cada aula, Lacan reafirma que as formações do inconsciente não são resíduos psíquicos desorganizados, mas  produções simbólicas  dotadas de uma lógica própria, operando segundo as leis da linguagem, especialmente a metáfora e a metonímia. Este seminário marca um momento de maturidade da obra lacaniana. Lacan está agora articulando com mais precisão os registros do simbólico, do imaginário e do real, mas com foco especial nas  operações significantes  que atravessam o sujeito. Ele aprofunda a teoria do significante e propõe que o sintoma é uma  metáfora , uma substituição de um significante por o...