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Mostrando postagens com o rótulo Lacan

Pulsão de morte

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Pulsão de morte Introdução A pulsão de morte é uma das ideias mais inquietantes da psicanálise. Ela sugere que no interior do sujeito existe não apenas desejo de viver, de criar, de amar, mas também uma tendência oposta, silenciosa, em direção à destruição, ao retorno ao inorgânico, a dissolver limites . Não é desejar morrer literalmente, mas uma força psíquica que tensiona o Eros - a pulsão de vida - e abre campo para angústia, repetição, sofrimento. Este artigo revisita o conceito, sua gênese, desdobramentos clínicos, e como neuro-psicanálise dialoga com essa noção que mexe com o fundo do humano. Gênese do conceito em Freud e suas fontes Sigmund Freud apresentou formalmente a ideia da pulsão de morte em Além do Princípio do Prazer (1920). Nesse texto ele nota fenômenos - como os protistas que retornam a um estado de “inatividade”, a compulsão à repetição de eventos dolorosos, traumas que se repetem - que não se explicam pelo prazer, ou pela busca de gratificação, mas por algo q...

Frustrações e seus desdobramentos

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Frustrações e seus desdobramentos Introdução A palavra frustração vem do latim frustrātiō, -ōnis , substantivo formado a partir do verbo frūstrāre que significa enganar, fazer em vão, tornar inútil. Em latim aparece também o advérbio frustra , que quer dizer “em vão”, “sem efeito”, e é a base semântica primeira da família de palavras. ( Dicionário Priberam ) Do ponto de vista morfológico, a sequência é clara: frustra (adv.) deu origem ao verbo frūstrāre (fazer em vão, frustrar, enganar), cujo supino/past-particípio e forma nominal geraram frustrātiō (ação de frustrar, decepção, falha). O sufixo latino -tiō / -tio passou para as línguas românicas como o nosso sufixo -ção, produzindo em português frustração . ( latin-dictionary.net ) Semântica e evolução histórica: originalmente a ideia centrava-se em “fazer em vão” ou “tornar vã a expectativa”; daí derivou o sentido de “engano” ou “decepção” (algo foi em vão porque houve engano ou falha). Com o tempo o sentido deslocou-se do a...

Como funciona o Complexo de Édipo?

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Como funciona o Complexo de Édipo? O Complexo de Édipo é uma das pedras angulares da psicanálise e um convite para refletirmos sobre como o desejo, o amor e a rivalidade se entrelaçam na formação do ser humano. Ele descreve a experiência infantil de sentimentos ambivalentes em relação aos pais, combinando amor e competição, desejo e medo da perda, identificação e rejeição. Mais do que uma teoria sobre infância, o Complexo de Édipo revela o modo como nossa psique se organiza e molda as relações afetivas ao longo da vida. Origens do conceito e história O conceito surgiu com Sigmund Freud no início do século XX, especialmente em suas obras Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade e O Ego e o Id . Freud se inspirou no mito grego de Édipo, que matou o pai e casou-se com a mãe sem saber, para descrever a dinâmica psíquica da criança em relação aos pais. O Complexo de Édipo ganhou espaço na clínica psicanalítica como uma etapa do desenvolvimento psicológico, sendo objeto de estudo cont...

Lacan, o Nome-do-Pai e a Lei Simbólica: Entre Psicanálise, Filosofia e Neurociência

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Lacan, o Nome-do-Pai e a Lei Simbólica: Entre Psicanálise, Filosofia e Neurociência Quando me detenho na função do nome-do-pai em Lacan e na lei simbólica, percebo que estamos diante de um dos pilares mais complexos e ao mesmo tempo fundamentais da psicanálise. Lacan nos mostra que o pai não se reduz à figura biológica ou ao homem de carne e osso, mas é um significante, um lugar simbólico que organiza a entrada do sujeito no campo da linguagem e da cultura . Freud, em Totem e Tabu , já havia intuído isso ao mostrar que o pai é aquele que institui a interdição do incesto, transformando a violência em lei. Lacan vai além: o “Nome-do-Pai” não é o pai real, mas a função que simboliza a lei, a ordem e a falta necessária para que o desejo se constitua. Na clínica, observo como essa função pode sustentar ou fragilizar a subjetividade. Quando a função paterna se inscreve, o sujeito encontra uma referência simbólica que regula o excesso do desejo materno, evitando que se perca no gozo absolut...

Atravessar o fantasma na psicanálise lacaniana: o encontro com a falta e a liberdade do desejo

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Atravessar o fantasma na psicanálise lacaniana: o encontro com a falta e a liberdade do desejo Você já parou para pensar que muito do que chamamos de vida é guiado por um roteiro invisível? Lacan chamou esse roteiro de fantasma. É uma cena interna, quase um teatro silencioso, que dá sentido ao nosso desejo e ao nosso sofrimento. Mas o que acontece quando percebemos que esse teatro não é a vida real, e que somos mais do que o personagem que atuamos? É aqui que entra um dos conceitos mais provocativos da psicanálise lacaniana: atravessar o fantasma. Essa é a experiência em que o sujeito se separa da ilusão que sustenta suas repetições e aceita a falta como algo constitutivo, não para eliminá-la, mas para lidar com ela de forma criativa e responsável. O que é o fantasma para Lacan Na teoria lacaniana, o fantasma é a estrutura imaginária que organiza o desejo . Ele é formado pelas marcas do inconsciente , pelas experiências com o outro e pelas perdas iniciais que moldam nossa subjetiv...

Os Quatro Temperamentos e a Antiga Arte de Ler a Alma Humana

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Os Quatro Temperamentos e a Antiga Arte de Ler a Alma Humana A humanidade sempre buscou compreender o enigma que pulsa por trás dos olhos de cada pessoa . Antes mesmo de a psicanálise nascer, já havia tentativas de classificar o que hoje chamamos de personalidade . Entre esses modelos, poucos sobreviveram tão longamente quanto a teoria dos quatro temperamentos . Mais do que uma curiosidade histórica, trata-se de uma lente que atravessou milênios, unindo medicina, filosofia e psicologia . Sua origem remonta à Grécia Antiga, quando Hipócrates, considerado o pai da medicina, lançou as bases dessa classificação . Séculos depois, Galeno refinou e ampliou essa teoria, estabelecendo uma visão de mundo onde corpo e alma dançavam ao mesmo ritmo dos humores que circulavam em nossas veias. Essa antiga concepção não apenas moldou a medicina ocidental por mais de mil anos, mas também influenciou profundamente a forma como entendemos a natureza humana. Ainda que a ciência moderna já tenha abandon...

Neurose obsessiva: quando o pensamento se torna prisão

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Neurose obsessiva: quando o pensamento se torna prisão Pensar demais pode parecer, à primeira vista, um sinal de inteligência ou de responsabilidade. Mas há casos em que o excesso de pensamento não é sinal de lucidez, e sim de sofrimento. Na clínica psicanalítica, esse modo de funcionar aparece com força na neurose obsessiva , uma das grandes estruturas clínicas descritas por Freud e aprofundadas por Lacan. A neurose obsessiva é marcada por uma intensa atividade mental : o sujeito pensa compulsivamente, rumina ideias, revisita eventos passados, tenta prever o futuro, ensaia falas, arrepende-se de atos e se tortura com dúvidas . Em alguns casos, surgem também rituais e comportamentos repetitivos que servem para aliviar a angústia mas nem sempre de forma eficaz. O obsessivo pensa para não agir. Pensa para não desejar. Seu pensamento é, muitas vezes, uma defesa contra a angústia que o desejo provoca . Freud observou que o obsessivo é tomado por uma culpa inconsciente : teme que seus p...

Ansiedade, tristeza, depressão e melancolia: as nuances da dor psíquica

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Ansiedade, tristeza, depressão e melancolia são experiências humanas distintas, embora comumente confundidas no discurso cotidiano. Cada uma tem uma natureza própria, causas específicas e manifestações singulares no corpo e na mente. Para compreendê-las com profundidade, é necessário olhar para suas raízes etimológicas, seus fundamentos psíquicos e seus efeitos sobre o sujeito. Ansiedade  deriva do latim  anxietas , que remete ao estado de sufocamento, de inquietação interna. Ela é uma resposta natural do organismo diante de uma ameaça, seja real ou imaginária. Trata-se de uma tensão antecipatória que se manifesta tanto no corpo (taquicardia, sudorese, tremores) quanto na mente (ruminações, medo do futuro, sensação de que algo ruim vai acontecer). Na psicanálise, Freud já apontava que a ansiedade está ligada à angústia de separação, à perda de algo vital ou ao conflito entre pulsões. É uma das primeiras manifestações que podem surgir diante de sobrecargas emocionais. Tristeza ...

Neurose, Psicose e Perversão

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Neurose, Psicose e Perversão: três respostas do sujeito à castração No breve e denso texto “Neurose e Psicose” (1924), Sigmund Freud nos oferece uma contribuição essencial para compreender as estruturas clínicas fundamentais da psicanálise. Mesmo que a perversão não seja o foco central do ensaio, ela se articula à reflexão de maneira implícita, pois, para Freud, as neuroses, as psicoses e as perversões não são doenças isoladas, mas modos distintos de resposta do sujeito diante da realidade, do desejo e da perda estrutural que marca a condição humana . Freud parte de um ponto essencial: toda experiência subjetiva se organiza a partir do conflito entre o Eu (ego), o mundo externo e as exigências pulsionais do inconsciente. A subjetividade não é um dado pronto. Ela se constitui por meio de defesas, recalques, construções simbólicas e tentativas de dar sentido àquilo que escapa à razão. Nesse cenário, a realidade externa impõe limites, e o sujeito precisa lidar com a frustração, com a ...

A perversão e seu lugar na cultura contemporânea

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A perversão e seu lugar na cultura contemporânea Na tradição psicanalítica, a perversão nunca foi pensada como um simples "desvio moral" ou um "comportamento sexual anômalo". Para Freud e Lacan, a perversão é uma estrutura clínica , uma forma singular de o sujeito se posicionar diante da castração, do desejo e da Lei. Porém, ao deslocarmos o olhar para o cenário cultural atual, é possível perceber como o funcionamento perverso que outrora aparecia com mais nitidez nos indivíduos  passa a marcar também a lógica social , política e até econômica. A perversão, hoje, está menos nos consultórios e mais nas vitrines, nos algoritmos, nas telas e nos discursos. Freud, em textos como Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade , desmistificou a sexualidade humana ao mostrar que ela não é natural nem normal no sentido médico-moral do termo. O que chamamos de “perversões” voyeurismo, fetichismo, masoquismo, entre outras são, na verdade, formas fundamentais do desejo humano ...

Seminário VI de Lacan: O Desejo e sua Interpretação

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Seminário VI de Lacan: O Desejo e sua Interpretação No Seminário VI, Lacan finca de vez o estandarte da psicanálise como uma escuta do desejo. O que está em jogo aqui não é apenas uma teoria do desejo, mas um deslocamento ético, clínico e político que recoloca a psicanálise no campo do impossível. Não se trata de compreender o desejo, nem de satisfazê-lo, mas de interpretá-lo , ou melhor, de permitir que ele se diga. O desejo não é algo que se possui. É aquilo que escapa, que desliza, que estrutura o sujeito e que o exila de qualquer completude. O desejo, diz Lacan, é sempre o desejo do Outro. Essa frase se repete como uma batida de tambor ao longo do seminário. O sujeito deseja aquilo que falta ao Outro, aquilo que ele acredita que o Outro deseja dele. Desejamos por mediação, por fantasia, por linguagem. O desejo não nasce do corpo, mas do campo simbólico. E sua lógica é a da metonímia, da substituição incessante de objetos que nunca satisfazem plenamente. O sujeito deseja porque é ...