Atravessar o fantasma na psicanálise lacaniana: o encontro com a falta e a liberdade do desejo
Você já parou para pensar que muito do que chamamos de vida é guiado por um roteiro invisível? Lacan chamou esse roteiro de fantasma. É uma cena interna, quase um teatro silencioso, que dá sentido ao nosso desejo e ao nosso sofrimento. Mas o que acontece quando percebemos que esse teatro não é a vida real, e que somos mais do que o personagem que atuamos? É aqui que entra um dos conceitos mais provocativos da psicanálise lacaniana: atravessar o fantasma. Essa é a experiência em que o sujeito se separa da ilusão que sustenta suas repetições e aceita a falta como algo constitutivo, não para eliminá-la, mas para lidar com ela de forma criativa e responsável.
O que é o fantasma para Lacan
Na teoria lacaniana, o fantasma é a estrutura imaginária que organiza o desejo. Ele é formado pelas marcas do inconsciente, pelas experiências com o outro e pelas perdas iniciais que moldam nossa subjetividade. Não se trata de um fantasma assustador, mas de uma cena psíquica que se repete, um enredo que parece nos proteger, mas que muitas vezes nos aprisiona. Essa cena sustenta a maneira como interpretamos o mundo e como desejamos. É confortável, pois cria uma sensação de coerência, mas é também uma prisão invisível.
Por que atravessar o fantasma é libertador
Atravessar o fantasma é romper essa lógica repetitiva. É perceber que o que julgamos ser essencial para a nossa identidade é, muitas vezes, uma ilusão. Isso não significa eliminar a falta, mas reconhecer que ela é inevitável. A falta é o motor do desejo, não um defeito a ser corrigido. Quando o sujeito atravessa o fantasma, ele se dá conta de que não existe um objeto que o completará, e essa constatação abre um espaço criativo. A travessia não traz a resposta final, mas convida a uma relação mais honesta com o próprio desejo.
O papel da análise nessa travessia
O processo analítico é o terreno em que essa travessia pode acontecer. O analista, com sua escuta, intervenções e cortes, faz emergir o fantasma do paciente. O sujeito começa a ver que repete cenas, escolhas e comportamentos para sustentar sua ilusão. Ao nomear e reconhecer essa dinâmica, o fantasma perde sua força. A travessia é o momento em que o paciente assume a responsabilidade por seu desejo, sem buscar justificativas externas, e isso é profundamente libertador.
A falta como potência criativa
Para Lacan, a falta não é algo a ser corrigido, mas a condição de possibilidade do desejo. É como uma peça que falta em um quebra-cabeça: ela incomoda, mas também dá espaço para criar novos caminhos. Quando o sujeito aceita que sempre haverá algo que falta, ele pode transformar esse vazio em motor criativo, em vez de enxergá-lo como falha. É aí que a vida ganha novos contornos. O que antes parecia prisão torna-se terreno fértil para novas experiências.
Por que esse tema interessa a leigos e acadêmicos
A ideia de atravessar o fantasma desperta curiosidade porque toca em algo universal: todos temos desejos, frustrações e ilusões. Para o leitor leigo, esse conceito mostra que a psicanálise não é um discurso distante, mas fala sobre questões do dia a dia, como relacionamentos, escolhas e medos. Para o leitor acadêmico, há um campo rico de estudo, pois a travessia do fantasma articula teoria, clínica e filosofia.
Conclusão provocativa
Você já identificou o roteiro invisível que dirige sua vida? Quais cenas você repete sem perceber? Atravessar o fantasma é um convite para sair do palco e olhar para os bastidores do próprio desejo. Não se trata de acabar com a falta, mas de transformá-la em algo vivo e criativo. O vazio não precisa ser uma ameaça; ele pode ser um aliado. A pergunta é simples, mas perturbadora: o que você faria se parasse de atuar para o outro e começasse a criar para si mesmo?
Referências bibliográficas
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Lacan, J. O Seminário, Livro XI: Os Quatro Conceitos Fundamentais da Psicanálise. Brasiliense, 1997.
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Lacan, J. Escritos. Jorge Zahar, 1998.
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Fink, B. O Sujeito Lacaniano: entre a linguagem e o gozo. Jorge Zahar, 1998.
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Miller, J. A. O Osso do Analisante. Jorge Zahar, 1998.
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