Jacques Lacan – Seminário XIII: O Objeto da Psicanálise (1965-1966)
Lacan não cessa de cavar na linguagem o lugar desse objeto. Ele afirma que a psicanálise não trata do ser, mas do que falta no ser. O sujeito só advém a partir dessa falta. Ele é efeito de um corte, de um furo, de uma castração simbólica. E é exatamente neste ponto de perda que o objeto a se instala. Como o seio na oralidade, as fezes na analidade, a voz no campo invocante, o olhar no escópico. O objeto a é sempre parcial, sempre deslocado. Nunca totalizável.
O Seminário XIII é marcado por um retorno à obra de Freud, sobretudo ao texto O Inconsciente e ao caso Dora, mas lido sob o crivo do significante. Lacan desconfia dos psicologismos e retoma a ideia de que o desejo inconsciente se articula na linguagem. O objeto não é algo que se encontra, mas que se perde. O sujeito, para desejar, precisa primeiro perder. Só há objeto de desejo porque algo foi castrado. Só há sujeito porque há uma falta que o funda.
Aqui também se aprofunda a articulação entre gozo e saber. O saber inconsciente é saber sobre o gozo. Mas este saber não é acessível à consciência. Ele se escreve no corpo, nos sintomas, nos atos falhos, nos sonhos, nos fantasmas. E o analista não está ali para explicar ou traduzir, mas para operar cortes que desvelem o lugar desse saber. O inconsciente é um saber que se escreve onde o sujeito falha.
Lacan afirma que o objeto da psicanálise é sempre esse pequeno a. Um objeto que não se dá. Que se contorna. Que se deixa entrever como falta no Outro. Por isso, o amor, o desejo, a fantasia giram em torno dele. E o analista, na transferência, deve suportar encarnar essa função: tornar-se semblante do objeto a, para que o sujeito possa deslocar seu desejo e se reconfigurar.
Neste seminário, Lacan começa a trabalhar o que virá a ser o matema do fantasma: O sujeito barrado em relação ao objeto a. Eis a estrutura fundamental da fantasia, que sustenta o desejo e protege o sujeito do gozo insuportável. Interpretar é atravessar esse fantasma. Não para destruí-lo, mas para abrir espaço a um novo modo de desejar.
Lacan também insinua aqui sua crítica à psicologia do ego e ao ideal do Eu. O eu, o ego, é um efeito do imaginário. Uma ficção narcísica que mascara a verdade do sujeito dividido. A análise não visa fortalecer o eu, mas confrontá-lo com sua falta, com seu inconsciente, com seu objeto perdido.
Há neste seminário um tom de transição. Lacan prepara o terreno para a virada topológica que virá nos anos seguintes. Começa a falar em superfícies, cortes, bordas, e já intui a importância do toro, da banda de Möbius, das estruturas que acolhem o real do gozo. Ele avança no que chama de clínica do real. A linguagem é impotente frente ao real, mas é com ela que se cava o contorno do impossível.
O objeto da psicanálise, então, é aquilo que resta quando tudo falha. É o que não se simboliza. O que insiste. O que causa. O que repuxa o sujeito. O que faz o sintoma durar. É ali que se instala o real da sexualidade, do trauma, do gozo. E o analista não deve querer explicá-lo, mas saber habitá-lo. Sustentar o lugar da falta, do silêncio, do vazio. Não como um déficit, mas como abertura ao desejo.
Este seminário é uma meditação rigorosa e inquieta sobre o que há de mais íntimo e de mais estrangeiro em nós. O objeto a não é um pedaço do mundo, mas o buraco em torno do qual o sujeito se constitui. A análise é a travessia desse buraco. O analista é aquele que se mantém à beira dele, escutando não o que se diz, mas o que falta dizer.
Lacan, com este seminário, prepara o salto. A partir daqui, seu ensino mergulha ainda mais fundo no Real. E a psicanálise, mais do que nunca, se afirma como uma experiência de linguagem, de desejo e de gozo.
Chega o Seminário XIV, A Lógica do Fantasma. O sujeito barrado e o objeto a formam o fantasma: $ ◊ a. Fantasia fundamental que sustenta o desejo. O fantasma é defesa, mas também janela. É onde o sujeito se vê, se goza, se perde.
Referências bibliográficas e fontes confiáveis
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Lacan, Jacques. Le Séminaire, Livre XIII: L'objet de la psychanalyse (1965-1966). Transcrições não publicadas oficialmente, mas disponíveis em arquivos como Archives Lacan e ICP Lacan.
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Freud, Sigmund. O Inconsciente (1915) e Fragmento da Análise de um Caso de Histeria (1905)
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Miller, Jacques-Alain. Curso O Outro que não Existe e seus Comitês de Ética
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Rassial, Jean-Jacques. O objeto a: ensaios sobre a teoria lacaniana
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Zizek, Slavoj. O mais sublime dos histéricos
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