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POSTAGENS

Aprofundando as Articulações de Totem e Tabu de Freud com Jacques Lacan e Claude Lévi-Strauss

1. Lévi-Strauss: O estruturalismo e a troca como fundamento da cultura Claude Lévi-Strauss, antropólogo francês, lê Totem e Tabu como uma tentativa pioneira, ainda que especulativa de pensar a origem das estruturas sociais. Em sua obra "As estruturas elementares do parentesco" (1949) , ele retoma a tese freudiana do tabu do incesto, mas desloca o foco do parricídio mítico para a troca de mulheres como base estruturante da sociedade . Para Lévi-Strauss, o tabu do incesto não deve ser visto apenas como proibição, mas como condição de possibilidade para a aliança entre grupos . Ao impedir a união sexual dentro do mesmo clã, a cultura obriga os indivíduos a buscar parceiros fora do grupo — é o que ele chama de exogamia , e isso funda o tecido social. A troca de mulheres é, portanto, a primeira forma de circulação simbólica: ao ceder a mulher, o grupo se insere em uma rede de alianças e obrigações. Lévi-Strauss reconhece a importância de Freud em apontar para uma estrutura inc...

Jacques Lacan – Seminário XIV: A Lógica da Fantasia (1966-1967)

 

Jacques Lacan – Seminário XIV: A Lógica da Fantasia (1966-1967)

Neste seminário, Lacan se debruça sobre a lógica interna da fantasia. Ele não a entende como um simples devaneio ou construção imaginária, mas como a matriz estrutural que sustenta o desejo do sujeito. A fantasia é o filtro entre o sujeito e o gozo, é o que permite ao sujeito suportar a falta, o vazio, o trauma do real. Por isso ele formula seu célebre matema: O sujeito barrado em relação ao objeto a. É nesta estrutura que o desejo se organiza.

A fantasia não é algo do passado, mas uma montagem ativa, repetida, encenada, como um pequeno teatro interior onde o sujeito tenta se situar frente à cena do Outro. A lógica da fantasia é rigorosa. Ela sustenta o gozo, ao mesmo tempo em que o recalca. Ela permite o desejo, ao mesmo tempo em que o limita. E por isso o sintoma está sempre atravessado pela fantasia: o sintoma é uma resposta ao gozo encoberto pela cena fantasmática.

Lacan aproxima a lógica da fantasia da álgebra. Não para matematizar a psicanálise, mas para escapar do psicologismo. Ele quer isolar os operadores formais do inconsciente. O sujeito ($) é sempre dividido. Ele não é um eu coeso, mas uma falta, um corte. O desejo não é de um eu, mas de um sujeito barrado. E o que o move é o objeto a, aquilo que falta, aquilo que escapa.

Nesse contexto, Lacan retoma a questão da alienação e da separação. O sujeito se constitui alienado no significante. Ele só existe como efeito do Outro, do campo simbólico. Mas essa alienação é seguida de uma separação: o sujeito se divide em relação ao objeto a, que é o correlato de sua castração. O objeto não está no Outro, mas se perde na operação mesma da constituição do sujeito. Por isso o desejo é sempre desejo do Outro.

No centro deste seminário está o desejo. Desejo como força estrutural, não como carência. Desejo como impulso que atravessa o sujeito e o constitui. O desejo é sempre metonímico. Ele se desloca, escapa, nunca se satisfaz. E por isso a fantasia é necessária: ela fixa um ponto de gozo, dá uma consistência ao objeto a, tornando-o visível, tocável, mesmo que ilusoriamente.

A fantasia é, portanto, o que organiza a experiência do gozo. Mas é também o que vela o real. Por isso, atravessar a fantasia, na análise, é tocar o ponto onde o gozo irrompe. É fazer com que o sujeito se confronte com sua verdade, com sua posição de desejo, com o objeto que o causa. Essa travessia não é simbólica, é real. E o analista deve sustentar esse percurso sem ceder ao ideal do bem ou da cura.

A lógica da fantasia é também a lógica do sujeito. E Lacan a inscreve numa estrutura de borda, de corte, de buraco. A fantasia se constrói em torno de um furo: o furo da castração, o furo do real. O objeto a é o que recobre esse furo, o que causa o desejo, o que sustenta a cena fantasmática. Mas é também o que escapa, o que perturba, o que retorna como sintoma.

Neste ponto, Lacan se aproxima da topologia. Ele fala de superfícies, de cortes, de bordas. A estrutura do sujeito não é linear, mas torcional. O desejo gira em torno do objeto perdido. E a análise visa não reencontrar esse objeto, mas permitir que o sujeito se reposicione frente a ele. A análise não cura, desloca. Não consola, revela.

No fim do seminário, Lacan afirma que o real não é o impossível de simbolizar. O real é o que insiste. O que retorna. O que não cessa de não se escrever. E o analista, longe de querer dominá-lo, deve saber habitá-lo. Saber fazer com ele. Saber suportar o ponto onde o saber falha e o gozo irrompe. Este é o lugar do ato analítico. Ato que não interpreta, mas corta. Ato que não explica, mas desloca.

Neste seminário, Lacan leva a psicanálise para um outro nível. A fantasia deixa de ser um conteúdo a ser interpretado. Torna-se uma estrutura a ser atravessada. O sujeito deixa de ser um eu a ser curado. Torna-se uma função a ser reposicionada. E o analista deixa de ser o mestre do saber. Torna-se o suporte do real, o operador da falta, o cúmplice da travessia.

Seminário XVO Ato Psicanalítico, é performance ética. O analista não interpreta. Ele age. O ato é o que muda o sujeito. Não há ato sem corte. Sem furo. O ato funda um novo ser. O analista não é espectador. Ele é instrumento.

Referências confiáveis

  1. Lacan, Jacques. Le Séminaire, Livre XIV: La logique du fantasme (1966-1967). Transcrição não publicada oficialmente. Disponível em fontes como LacanOnline e Archives Lacan.

  2. Miller, Jacques-Alain (ed.). Cursos e seminários comentando a lógica da fantasia e o objeto a.

  3. Freud, Sigmund. Além do Princípio do Prazer e O Eu e o Isso.

  4. Zizek, Slavoj. Como Ler Lacan, capítulo sobre fantasia e o objeto causa do desejo.

  5. Colette Soler. Lacan – o inconsciente reinventado.

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