Jacques Lacan – Seminário XV: O Ato Psicanalítico (1967-1968)
Neste seminário, Lacan dá um passo decisivo. Ele abandona a cena imaginária da transferência, a teatralidade do desejo, e se debruça sobre o que realmente transforma na psicanálise: o ato. Não é a fala que cura, é o corte que a fala pode encarnar. E esse corte, quando verdadeiro, é um ato. Um ato não é um comportamento nem uma ação qualquer. Um ato é uma irrupção no simbólico, um ponto onde o sujeito se inscreve no real.
Lacan começa situando o ato analítico como uma ruptura. Não se trata de uma intervenção técnica, mas de algo que toca a estrutura. O ato modifica a posição do sujeito no discurso. Ele rompe a repetição, rompe com a cadeia significante. O ato analítico é inseparável do desejo do analista. Mas esse desejo não é pessoal, não é um querer subjetivo. É um desejo estruturado como função, sustentado na ética da psicanálise.
O desejo do analista é aquilo que permite ao sujeito não se deixar capturar pela demanda. O analista é aquele que ocupa o lugar do objeto a, o ponto de falta, o furo. Não para preenchê-lo, mas para que ele se revele. O analista não interpreta para dar sentido. Ele interpreta para criar corte. Ele não conduz, sustenta. Ele não guia, suporta. Sua função é levar o sujeito até o ponto onde sua fantasia não o protege mais do real.
Lacan se inspira em Kierkegaard, em Hegel, em Santo Tomás. Ele retoma o gesto de Abraão, que sacrifica Isaac não por fé cega, mas porque assume a singularidade do chamado divino. Assim também é o ato analítico. Ele exige decisão, responsabilidade, um salto. O sujeito do ato é aquele que não recua diante da falta de garantia. O ato acontece onde não há Outro que diga o que fazer. Onde não há saber do mestre, mas o risco da verdade.
O analista deve saber operar com a castração. Saber que o sujeito se estrutura pela perda. E que sua tarefa não é consolar, mas sustentar o desamparo. A análise termina quando o sujeito assume seu ato. Quando ele se responsabiliza por seu desejo. Quando ele já não precisa da transferência. O ato analítico é o ponto onde a transferência morre. E é nesse luto que o sujeito pode nascer de novo.
Neste seminário, Lacan também retoma a noção de discurso. Ele fala do discurso analítico como o inverso do discurso do mestre. O analista não comanda, escuta. Não impõe, esvazia. O discurso analítico é o lugar onde o saber se produz a partir do real. Onde o sujeito barrado (S barrado) se confronta com o objeto a. E esse confronto não é interpretável, é atravessável.
A estrutura do ato não é voluntária, mas lógica. Um ato só é ato quando muda a estrutura. Quando altera a posição do sujeito no simbólico. Por isso não há ato sem risco. O ato não se mede por suas intenções, mas por suas consequências. O analista que atua demais, impede o ato do analisante. O analista que se cala demais, esconde seu desejo. O ato é o ponto justo. E justiça, aqui, é ética da posição.
Ao final do seminário, Lacan evoca a morte. O ato é vizinho da morte porque implica uma perda. O sujeito, ao atravessar a fantasia, deve abdicar do gozo que ela lhe proporciona. Ele deve renunciar ao lugar onde era protegido, para encontrar o ponto onde pode desejar sem muleta. O fim da análise não é a felicidade. É a assunção do desejo como estrutura. É a solidão do ato, o vazio que sustenta a liberdade.
Em O Avesso da Psicanálise, Seminário XVI, Lacan desenha os quatro discursos: do Mestre, do Universitário, da Histeria e do Analista. O analista não ensina. Ele encarna a divisão do sujeito. O saber se desloca. O gozo circula. A verdade falta.
Referências confiáveis
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Lacan, Jacques. Le Séminaire, Livre XV: L’acte psychanalytique (1967-1968), transcrição não publicada oficialmente. Disponível em fontes como LacanOnline, École Lacanienne de Psychanalyse e Valas.
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Miller, Jacques-Alain. Elucidations of the Act, curso de 2003.
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Kierkegaard, Søren. Temor e Tremor, referência à lógica do ato como salto de fé.
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Freud, Sigmund. Recordar, Repetir e Elaborar e A Dinâmica da Transferência.
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Colette Soler. O Desejo do Analista.
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