Pular para o conteúdo principal

POSTAGENS

Aprofundando as Articulações de Totem e Tabu de Freud com Jacques Lacan e Claude Lévi-Strauss

1. Lévi-Strauss: O estruturalismo e a troca como fundamento da cultura Claude Lévi-Strauss, antropólogo francês, lê Totem e Tabu como uma tentativa pioneira, ainda que especulativa de pensar a origem das estruturas sociais. Em sua obra "As estruturas elementares do parentesco" (1949) , ele retoma a tese freudiana do tabu do incesto, mas desloca o foco do parricídio mítico para a troca de mulheres como base estruturante da sociedade . Para Lévi-Strauss, o tabu do incesto não deve ser visto apenas como proibição, mas como condição de possibilidade para a aliança entre grupos . Ao impedir a união sexual dentro do mesmo clã, a cultura obriga os indivíduos a buscar parceiros fora do grupo — é o que ele chama de exogamia , e isso funda o tecido social. A troca de mulheres é, portanto, a primeira forma de circulação simbólica: ao ceder a mulher, o grupo se insere em uma rede de alianças e obrigações. Lévi-Strauss reconhece a importância de Freud em apontar para uma estrutura inc...

Jacques Lacan – Seminário XV: O Ato Psicanalítico (1967-1968)


Jacques Lacan – Seminário XV: O Ato Psicanalítico (1967-1968)
Neste seminário, Lacan dá um passo decisivo. Ele abandona a cena imaginária da transferência, a teatralidade do desejo, e se debruça sobre o que realmente transforma na psicanálise: o ato. Não é a fala que cura, é o corte que a fala pode encarnar. E esse corte, quando verdadeiro, é um ato. Um ato não é um comportamento nem uma ação qualquer. Um ato é uma irrupção no simbólico, um ponto onde o sujeito se inscreve no real.

Lacan começa situando o ato analítico como uma ruptura. Não se trata de uma intervenção técnica, mas de algo que toca a estrutura. O ato modifica a posição do sujeito no discurso. Ele rompe a repetição, rompe com a cadeia significante. O ato analítico é inseparável do desejo do analista. Mas esse desejo não é pessoal, não é um querer subjetivo. É um desejo estruturado como função, sustentado na ética da psicanálise.

O desejo do analista é aquilo que permite ao sujeito não se deixar capturar pela demanda. O analista é aquele que ocupa o lugar do objeto a, o ponto de falta, o furo. Não para preenchê-lo, mas para que ele se revele. O analista não interpreta para dar sentido. Ele interpreta para criar corte. Ele não conduz, sustenta. Ele não guia, suporta. Sua função é levar o sujeito até o ponto onde sua fantasia não o protege mais do real.

Lacan se inspira em Kierkegaard, em Hegel, em Santo Tomás. Ele retoma o gesto de Abraão, que sacrifica Isaac não por fé cega, mas porque assume a singularidade do chamado divino. Assim também é o ato analítico. Ele exige decisão, responsabilidade, um salto. O sujeito do ato é aquele que não recua diante da falta de garantia. O ato acontece onde não há Outro que diga o que fazer. Onde não há saber do mestre, mas o risco da verdade.

O analista deve saber operar com a castração. Saber que o sujeito se estrutura pela perda. E que sua tarefa não é consolar, mas sustentar o desamparo. A análise termina quando o sujeito assume seu ato. Quando ele se responsabiliza por seu desejo. Quando ele já não precisa da transferência. O ato analítico é o ponto onde a transferência morre. E é nesse luto que o sujeito pode nascer de novo.

Neste seminário, Lacan também retoma a noção de discurso. Ele fala do discurso analítico como o inverso do discurso do mestre. O analista não comanda, escuta. Não impõe, esvazia. O discurso analítico é o lugar onde o saber se produz a partir do real. Onde o sujeito barrado (S barrado) se confronta com o objeto a. E esse confronto não é interpretável, é atravessável.

A estrutura do ato não é voluntária, mas lógica. Um ato só é ato quando muda a estrutura. Quando altera a posição do sujeito no simbólico. Por isso não há ato sem risco. O ato não se mede por suas intenções, mas por suas consequências. O analista que atua demais, impede o ato do analisante. O analista que se cala demais, esconde seu desejo. O ato é o ponto justo. E justiça, aqui, é ética da posição.

Ao final do seminário, Lacan evoca a morte. O ato é vizinho da morte porque implica uma perda. O sujeito, ao atravessar a fantasia, deve abdicar do gozo que ela lhe proporciona. Ele deve renunciar ao lugar onde era protegido, para encontrar o ponto onde pode desejar sem muleta. O fim da análise não é a felicidade. É a assunção do desejo como estrutura. É a solidão do ato, o vazio que sustenta a liberdade.

Em O Avesso da PsicanáliseSeminário XVI, Lacan desenha os quatro discursos: do Mestre, do Universitário, da Histeria e do Analista. O analista não ensina. Ele encarna a divisão do sujeito. O saber se desloca. O gozo circula. A verdade falta.

Referências confiáveis

  1. Lacan, Jacques. Le Séminaire, Livre XV: L’acte psychanalytique (1967-1968), transcrição não publicada oficialmente. Disponível em fontes como LacanOnline, École Lacanienne de Psychanalyse e Valas.

  2. Miller, Jacques-Alain. Elucidations of the Act, curso de 2003.

  3. Kierkegaard, Søren. Temor e Tremor, referência à lógica do ato como salto de fé.

  4. Freud, Sigmund. Recordar, Repetir e Elaborar e A Dinâmica da Transferência.

  5. Colette Soler. O Desejo do Analista.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Jacques Lacan - Seminário X: A Angústia (1962-1963)

Jacques Lacan - Seminário X: A Angústia (1962-1963) Neste seminário decisivo, Lacan nos convida a olhar de frente aquilo que o sujeito evita: a angústia. Diferente do medo, que tem objeto claro e ameaça externa, a angústia brota do íntimo, do ponto em que o desejo do Outro nos atravessa. Freud dizia que a angústia é sem objeto. Lacan o contradiz: a angústia tem objeto, sim, mas é um objeto estranho, deslocado, um objeto que não é do mundo exterior, e sim um pedaço perdido do sujeito. Este objeto é o famoso objeto a. A angústia se instala quando esse objeto aparece mais do que deveria. Não é sua ausência que angustia, mas sua presença excessiva, invasiva, desmedida. Lacan nos ensina que a angústia é o afeto que não engana. Enquanto os outros afetos podem se disfarçar, podem ser projetados, deslocados, a angústia é pura, direta, sinal do real que se impõe. O sujeito, para Lacan, é um efeito do significante. Ele nasce pela perda, pela entrada na linguagem. Ao ser nomeado, algo de si é a...

Totem e Tabu

Em Totem e Tabu , Freud propõe uma investigação ousada ao buscar correspondências entre o funcionamento psíquico de povos considerados “primitivos” e os processos inconscientes observados em pacientes neuróticos da clínica psicanalítica. A partir de quatro ensaios, ele traça um elo entre o mundo da antropologia e a teoria psicanalítica, inaugurando aquilo que podemos considerar o início de uma antropologia psicanalítica. Essa obra não apenas estende os limites da psicanálise, como propõe que os fundamentos da cultura humana estão enraizados nos conflitos e mecanismos inconscientes que atuam na constituição do sujeito . O primeiro tema central é o totemismo . Freud parte do estudo de sociedades tribais australianas para observar que seus membros se organizam em clãs regidos por um “totem”, geralmente um animal ou planta, que atua como símbolo protetor, ancestral comum e força sagrada. Os membros de um mesmo clã não podem ferir, matar ou consumir seu totem. Além disso, há regras rígida...

Série "8 em Istambul": Um Espelho da Alma Contemporânea

Série "8 em Istambul": Um Espelho da Alma Contemporânea Queridos leitores, hoje lhes trago não apenas a indicação de uma série, mas a partilha de uma travessia. “8 em Istambul” (título original  Bir Başkadır ) não é apenas um produto audiovisual da  Netflix , mas uma pulsação psíquica em forma de drama. Criada e dirigida por  Berkun Oya , estreou em  2020  e traz em seus  8 episódios  uma meditação profunda sobre o inconsciente coletivo de uma sociedade cindida entre tradição e modernidade. É turca em sua forma e humana em seu conteúdo. É Istambul, mas é também São Paulo, Cairo, ou qualquer outra metrópole onde o sagrado e o profano, o patriarcal e o libertário, a palavra e o silêncio, ainda duelam dentro de nós. Sobre o elenco A série conta com atuações profundamente expressivas e humanamente verossímeis.  Öykü Karayel  interpreta  Meryem , uma jovem faxineira que começa a desmaiar sem razão aparente. Seu irmão autoritário,  Yas...