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POSTAGENS

Aprofundando as Articulações de Totem e Tabu de Freud com Jacques Lacan e Claude Lévi-Strauss

1. Lévi-Strauss: O estruturalismo e a troca como fundamento da cultura Claude Lévi-Strauss, antropólogo francês, lê Totem e Tabu como uma tentativa pioneira, ainda que especulativa de pensar a origem das estruturas sociais. Em sua obra "As estruturas elementares do parentesco" (1949) , ele retoma a tese freudiana do tabu do incesto, mas desloca o foco do parricídio mítico para a troca de mulheres como base estruturante da sociedade . Para Lévi-Strauss, o tabu do incesto não deve ser visto apenas como proibição, mas como condição de possibilidade para a aliança entre grupos . Ao impedir a união sexual dentro do mesmo clã, a cultura obriga os indivíduos a buscar parceiros fora do grupo — é o que ele chama de exogamia , e isso funda o tecido social. A troca de mulheres é, portanto, a primeira forma de circulação simbólica: ao ceder a mulher, o grupo se insere em uma rede de alianças e obrigações. Lévi-Strauss reconhece a importância de Freud em apontar para uma estrutura inc...

Jacques Lacan - Seminário XXV: "O Momento de Concluir"


Jacques Lacan - Seminário XXV: "O Momento de Concluir" (1977–1978)
Neste seminário, Lacan já é um velho mestre. A palavra lhe escapa e ao mesmo tempo lhe pertence como nunca. Ele retorna à cena como quem conclui, mas o que conclui é o próprio gesto de não concluir. O título é irônico, porque aquilo que está por terminar não é o saber, mas a ilusão de que o saber possa concluir algo sobre o real.

"O momento de concluir" é menos uma chegada e mais uma dobra. Lacan volta seu olhar para a experiência analítica com um tom crepuscular. É a análise enquanto ato. É o que resta quando o significante falha, quando o sintoma já não pede interpretação, mas uso. O real se impõe não como algo que se descobre, mas como algo com o qual se deve lidar. E é nesse ponto que o sinthoma se firma como solução singular do sujeito diante do impossível.

Neste momento, Lacan abandona toda e qualquer esperança na transparência do saber. Ele afirma que não se trata de entender, mas de fazer. Fazer com o que se é. O saber inconsciente já não é mais o saber reprimido que espera ser desvelado. É um saber que se goza. Um saber gozado. E o saber analítico é então o saber fazer com isso.

A função do analista é colocada em xeque. O que resta ao analista quando o Nome-do-Pai vacila, quando o Outro é falho, quando o sujeito já não deseja mais o saber do mestre, mas a construção de seu estilo? A resposta está no ato analítico. O analista deve ser aquele que, tendo atravessado sua fantasia, consente em encarnar o objeto a do desejo do analisando. Não para representá-lo, mas para permitir que o sujeito construa, a partir de seu resto, um modo de habitar o mundo.

Lacan insiste na função do sinthoma. Já não é mais o sintoma a ser interpretado e dissolvido. É o sinthoma, aquele que se escreve com h, marca da singularidade. É o nó borromeano que amarra Real, Simbólico e Imaginário de forma única para cada sujeito. O sinthoma é aquilo que permite ao sujeito não enlouquecer. Não se trata de curar, mas de sustentar a estrutura.

Neste seminário, o Real não é mais o impossível de simbolizar. É aquilo com o qual se vive. O Real está no centro, e a análise é o gesto ético de suportar o real do gozo. A verdade já não é reveladora. A verdade é mentirosa. O saber é equívoco. E o analista é aquele que sabe disso e não retrocede diante do horror do não-sentido.

Lacan fala de Joyce, de novo. Mas não mais como um artista simplesmente. Joyce é o paradigma daquele que soube fazer de seu sinthoma uma obra. Um estilo. A função do artista, portanto, encontra-se com a do analisante: inventar um modo de existir a partir do que há de mais opaco no ser.

O seminário se encerra como um murmúrio. Não há grandes apoteoses. Apenas a constatação de que o fim da análise não é uma conclusão, mas um ponto de virada. É quando o sujeito deixa de buscar no Outro a resposta e assume o risco de sua própria invenção. O momento de concluir é o momento de começar a viver com o que resta. Não como tragédia, mas como gesto criador.

A análise não é libertação. É amarração. O analista não é um libertador, é um nó. E o saber não é luz, é tropeço. A palavra já não salva. Mas ao menos oferece ao sujeito a chance de dizer algo de seu gozo sem ser devorado por ele.

No Seminário XXVITopologia e Tempo, Lacan enrosca o tempo no toro, no nó, no corpo. O tempo não é linear. O desejo tem seu tempo lógico. O sujeito salta. O instante do olhar, o tempo de compreender, o momento de concluir.

Referências confiáveis:

  1. Lacan, Jacques. Le Séminaire, Livre XXV: Le moment de conclure (1977–1978), inédito, transcrição baseada nos arquivos da École de la Cause Freudienne.

  2. Miller, Jacques-Alain. La fuite du sens - Le moment de conclure, curso no Collège de Clinique Psychanalytique.

  3. Éric Laurent. O saber-fazer com o sinthoma.

  4. Harari, Roberto. Lacan e o nó borromeano.

  5. Colette Soler. O inconsciente reinventado.

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