Jacques Lacan - Seminário XXVI: "A Topologia e o Tempo Lógico" (1978–1979)
Aqui Lacan caminha como um artesão de cordas invisíveis. Seu ofício já não é o de construir doutrinas, mas de trançar nós. Ele mergulha na topologia como quem busca na matemática não a exatidão, mas a poesia do impossível. Neste seminário, Lacan entrelaça a ideia de tempo lógico com as estruturas dos nós borromeanos, dizendo que o tempo do sujeito não é cronológico, é estruturante. É tempo de corte, de ato, de ruptura com a cadeia do significante.
Ele parte de uma pergunta crucial: como o tempo se inscreve no inconsciente? E vai além. Questiona como o tempo pode ser representado topologicamente. Não como uma linha reta, mas como um nó que se dobra sobre si, como um laço que sustenta a existência mesma do sujeito. A lógica do tempo lacaniano é feita de três tempos: o instante de ver, o tempo para compreender e o momento de concluir. Mas neste seminário, esses tempos são redesenhados, curvados, esticados, transfigurados nos nós.
Lacan propõe que o tempo do sujeito não é o mesmo do relógio. O sujeito nasce no tempo lógico, e esse tempo é retroativo. Só depois do ato é que o sentido se impõe. Assim, o instante em que algo se faz é sempre posterior à sua razão. O sujeito só sabe o que decidiu depois que já decidiu. Essa estrutura temporal exige uma nova cartografia. E Lacan vai buscá-la na topologia: toro, garrafa de Klein, plano projetivo, nó borromeano.
Ele afirma que a análise é um percurso através desses cortes. O analista é aquele que sabe como sustentar os furos, como fazer existir o lugar onde o simbólico falha, onde o real escapa e o imaginário tenta colar. O nó é o nome de uma nova clínica. Cada sujeito é uma trama única entre o real, o simbólico e o imaginário. O sintoma é a maneira singular de manter essa trama unida. Desatar o nó é impossível. O que se pode fazer é amarrá-lo de modo mais estável, mais vivível.
Lacan fala do tempo como dimensão do ato. O ato analítico não é pensado, é feito. E é só depois que ele faz sentido. Assim, a análise é um percurso pelo tempo lógico. Não se trata de lembrar o passado, mas de criar um presente que permita ao sujeito existir de outro modo. O passado só se constitui a partir do agora que se reescreve.
A topologia, então, não é apenas um recurso geométrico. É uma linguagem para o real. Um modo de escrever o que não tem representação. A clínica lacaniana, nesse ponto, torna-se uma arte da dobra, uma prática de fazer laços com o que escapa à linguagem. O analista torna-se o fiador da costura.
O tempo lógico é o tempo da escolha. A ética da psicanálise é a ética do ato. E o nó é a imagem mais próxima da existência: um emaranhado que se sustenta por sua própria tensão. O sujeito, diz Lacan, é o ponto de corte dessa tensão. Não é uma essência, mas um efeito de amarração.
Esse seminário é o canto final de uma obra que sempre se recusou a terminar. Lacan não oferece conclusões, mas figuras. Em vez de respostas, ele oferece laços. E no centro de tudo está o tempo, esse senhor que só se deixa ver depois que passou. Mas é nesse depois que o sujeito pode se refazer, como quem costura um manto com os restos da linguagem.
E no Seminário XXVII, A Dissolução, Lacan desfaz a Escola. Um ato. Um corte. Não há psicanálise sem ética. Sem furo. Sem real. A Escola morre para que o desejo viva. O analista se autoriza de si mesmo. A psicanálise não se institui. Se encarna.
Referências confiáveis:
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Lacan, Jacques. Le Séminaire, Livre XXVI: La topologie et le temps logique (1978–1979), inédito. Transcrições comentadas por membros da École de la Cause Freudienne.
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Miller, Jacques-Alain. Le partenaire-sinthome, curso baseado no último ensino de Lacan.
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Laurent, Éric. O nó e o tempo: a topologia como clínica.
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Gallo, Sylvie. Lacan et la topologie: une clinique du nouage.
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Harari, Roberto. Psicanálise e topologia dos nós.
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