Jacques Lacan - Seminário XII: Problemas Cruciais para a Psicanálise (1964-1965)
O ponto de partida é o estatuto do significante. Lacan retoma o que já havia afirmado: o significante representa o sujeito para outro significante. A cadeia significante nunca é fechada, nunca diz tudo. Sempre há um resto. Esse resto é o objeto a. O sujeito, ao ser representado, é dividido. Ele não é dono do que diz. Ele é falado. Ele é efeito da linguagem. E justamente por isso, ele deseja. O desejo é o que nasce da falta, e o objeto a é a causa desse desejo.
Mas Lacan vai além. Ele começa a elaborar as primeiras estruturas dos quatro discursos — ainda não plenamente formulados, mas já sugeridos como modos de organização entre saber, poder e desejo. A partir da posição do sujeito barrado, do objeto a, do significante mestre (S1) e do saber (S2), Lacan inicia a articulação lógica das posições que o sujeito pode ocupar em relação ao saber e à verdade. Ele mostra que o saber não é neutro. O saber é desejo encarnado, é produção que circula em um campo de gozo. E que o gozo não se reduz a prazer. O gozo é excesso, transbordamento, o que ultrapassa a medida da lei simbólica.
Neste seminário, a relação com o saber é posta em crise. O saber universitário, o saber técnico, o saber acumulado não é o saber do inconsciente. O saber do inconsciente é saber que não se sabe, é saber que se escapa. O saber do inconsciente se revela nas formações do desejo, nas fantasias, nas repetições. E esse saber se articula com o gozo. O saber está do lado do gozo, não da verdade. O analista, então, não é o guardião de um saber oculto. Ele é aquele que ocupa o lugar de semblante de objeto a. Ele encarna a falta. E por isso, o sujeito transfere a ele seu desejo, seu enigma, sua angústia.
O objeto a se torna aqui a chave de toda operação. Ele é o que falta, o que sobra, o que causa, o que não se diz. Ele é o pedaço do sujeito que foi perdido na entrada no simbólico. Lacan o localiza nos fragmentos do corpo — o seio, as fezes, a voz, o olhar — mas o objeto a não é o órgão. É o recorte, a borda, o que foi separado do corpo vivo para que o sujeito pudesse falar. E é esse objeto que retorna na fantasia, no gozo, no amor. O amor é a tentativa de capturar esse objeto no outro. Mas o amor sempre falha. Porque o objeto a é irrepresentável. Ele aparece demais ou de menos. Quando aparece demais, há angústia. Quando aparece de menos, há vazio. O sujeito está sempre entre esses dois extremos.
Lacan também retoma a noção de metáfora e metonímia. O desejo é metonímico. Ele nunca se fixa. Ele desliza de um objeto ao outro. E é esse deslizamento que mantém o sujeito vivo. A metáfora, por sua vez, é o que substitui, o que dá sentido, o que organiza o nome. O Nome-do-Pai, que já havia sido abordado nos seminários anteriores, retorna como aquilo que barra o desejo da mãe, que inscreve o sujeito no campo da lei. Mas o Nome-do-Pai é também um significante entre outros. E pode falhar. Quando falha, o sujeito se vê diante do gozo do Outro sem mediação. E aí surge a psicose.
Este seminário está atravessado por uma tensão entre o saber e o real. O saber busca ordenar, organizar, interpretar. O real resiste. O real não se escreve. O real não é sentido. O real é buraco. E é esse buraco que o sujeito tenta contornar. O analista, então, deve saber operar com esse furo. Não preencher, não explicar, mas sustentar o vazio. Fazer do ato analítico um corte. A interpretação não deve fechar o sentido. Deve abri-lo. Deve deixar o sujeito frente ao enigma de seu desejo.
Lacan também começa a trabalhar com a topologia, especialmente com a banda de Möbius e outras figuras que permitirão, nos seminários seguintes, o nó borromeano. A topologia serve para pensar o sujeito como estrutura que não é linear, que não tem dentro nem fora fixos. O inconsciente, o simbólico, o imaginário, o real — todos se entrelaçam de modo complexo. E o objeto a é o ponto de torção desse laço.
A questão da castração simbólica também é retomada. A castração não é perda de um órgão. É perda de um gozo. É inscrição de um limite. O sujeito só pode desejar porque algo lhe falta. E essa falta é estruturante. Mas o neurótico quer evitar a castração. Quer completude, quer certeza. E por isso sofre. A análise, então, é o processo pelo qual o sujeito pode consentir à castração. Pode desejar sem garantia. Pode viver sem totalidade.
O Seminário XII é uma ponte. Ele liga a clínica à lógica. Liga o desejo à estrutura. Ele antecipa os discursos, prepara o campo para a sexuação, para o nó do real. E nos mostra que os problemas da psicanálise não se resolvem com respostas, mas com perguntas mais precisas. A análise não visa curar. Visa deslocar. Desorganizar. Criar espaço para que algo novo surja.
É por isso que a psicanálise continua. Porque o sujeito continua dividido. Porque o gozo insiste. Porque o desejo nunca se apaga. E porque o objeto a, essa pequena letra insuportável e fascinante, continuará a nos acompanhar enquanto houver linguagem.
No Seminário XIII, O Objeto da Psicanálise, Lacan mergulha no ser. O ser de gozo, o ser falante. O sujeito se forma na falta. A linguagem precede o ser. O objeto a é resto, resíduo de gozo. O analista é aquele que se deixa cair como objeto.
Referências bibliográficas
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Lacan, Jacques. Le Séminaire, Livre XII: Problèmes Cruciaux pour la Psychanalyse (1964-1965). Inédito oficialmente em português. Traduções não-oficiais em circulação por grupos de estudo
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Freud, Sigmund. O Mal-Estar na Civilização (1930)
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Miller, Jacques-Alain. A lógica da fantasia — curso que retoma temas do Seminário XII
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Zizek, Slavoj. Como Ler Lacan
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Colette Soler, O Desejo e sua Interpretação
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Gérard Wajcman, O Objeto a na Clínica do Desejo
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