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Jacques Lacan - Função e Campo da Fala e da Linguagem em Psicanálise (1953)

Função e Campo da Fala e da Linguagem em Psicanálise (1953) Aqui começa o Lacan que ecoará por décadas. Neste texto inaugural da sua doutrina, lido na abertura dos Trabalhos da Sociedade Francesa de Psicanálise em Roma, em setembro de 1953, Lacan funde a psicanálise ao campo da linguagem. Não mais a psicanálise como técnica terapêutica. Mas como discurso que se inscreve na estrutura do sujeito. O título já anuncia o corte. A fala é ato. A linguagem é estrutura. A escuta analítica não se dirige ao conteúdo do que se diz, mas ao modo como se diz. O inconsciente é efeito da fala. E o sujeito, em Lacan, será aquele que é falado antes de falar. Neste texto, Lacan retoma Saussure, Jakobson, Lévi-Strauss, e os instala sobre Freud. Ele diz que Freud nunca foi psicologista, mas linguista avant la lettre. A linguagem é o solo onde o desejo se escreve. Não há sujeito fora da linguagem. O sujeito é um efeito do significante. O significante é aquilo que representa um sujeito para outro significan...

Jacques Lacan - Os Complexos Familiares (1938)

Os Complexos Familiares (1938) Na alvorada de sua jornada como analista, Lacan escreve com o vigor do jovem que já pressente o abismo. “ Os Complexos Familiares na Formação do Indivíduo ” é um texto inaugural, onde a psicanálise ainda bebe da fonte freudiana, mas começa a desenhar os contornos de uma nova cartografia do psiquismo. Lacan já intui que o drama humano não se encerra no biológico, nem no social, mas se escreve na linguagem. Aqui, ele localiza três complexos fundamentais que organizam o sujeito na infância: o complexo de desmame , o complexo de intrusão e o complexo de Édipo . O primeiro marca o corte da fusão simbiótica com o corpo materno. A criança, arrancada do seio, descobre que o desejo é falta. Esse desmame é a primeira morte, a primeira ausência que estrutura o sujeito. A oralidade cede lugar ao significante. A criança, ao ser separada do seio, encontra-se diante da palavra. No segundo, o complexo de intrusão, a entrada de um terceiro elemento no espaço dual com...

O canto dos XXVII seminários de Lacan

O CANTO DOS SEMINÁRIOS DE LACAN Nasce uma voz na Paris do pós-guerra. Um eco distinto, vindo da clínica, da literatura, da matemática e da linguagem. Jacques Lacan se ergue como um alquimista do inconsciente. O palco se arma, e em 1953, o Seminário I inaugura a travessia: Os Escritos Técnicos de Freud . Ali, Lacan retoma o texto freudiano como escritura viva. O inconsciente é estruturado como uma linguagem. A transferência, o sujeito, o Outro. Tudo se desenha sob o olhar da palavra. Segue o Seminário II . O Eu na teoria de Freud e na técnica da psicanálise. Lacan desfaz o espelho onde o ego se fixa. Mostra que o eu não é senhor, mas efeito. O sujeito é fendido, dividido, deslizando no campo do significante. O real escapa. O simbólico estrutura. O imaginário engana. No Seminário III , sobre As Psicoses , Lacan coloca a foraclusão no centro da clínica. O Nome-do-Pai recusado. O sujeito psicótico em confronto com o real sem o amparo do simbólico. Schreber é lido como poesia delirante ...

Jacques Lacan - Seminário XXVII: Dissolução

Jacques Lacan - Seminário XXVII: Dissolução (1979–1980) Neste último murmúrio da obra lacaniana, não há cátedra, não há sala, não há ritual. Há ruína e criação ao mesmo tempo. É o ano da dissolução de sua Escola. Lacan não a abandona por cansaço, mas por um gesto ético, radical. Dissolve sua própria obra institucional como quem reconhece que o desejo não pode ser capturado em molduras. Esse seminário não é como os outros. É feito de cartas, entrevistas, pequenos trechos de falas. É um seminário-fratura. Um corte. Aqui, Lacan já não fala mais de um lugar de Mestre. Fala como resto. E afirma que a Escola que fundara havia se desviado do que era essencial. A psicanálise, segundo ele, corre sempre o risco de se burocratizar, de se tornar doutrina morta, repetição sem ato. Dissolve a Escola Francesa de Psicanálise para que algo do desejo sobreviva. Esse ato é um gesto clínico. Um ato analítico diante da instituição. A travessia do seu ensino se conclui assim: com o silêncio ruidoso da ret...

Jacques Lacan - Seminário XXVI: "A Topologia e o Tempo Lógico"

Jacques Lacan - Seminário XXVI: "A Topologia e o Tempo Lógico" (1978–1979) Aqui Lacan caminha como um artesão de cordas invisíveis. Seu ofício já não é o de construir doutrinas, mas de trançar nós. Ele mergulha na topologia como quem busca na matemática não a exatidão, mas a poesia do impossível. Neste seminário, Lacan entrelaça a ideia de tempo lógico com as estruturas dos nós borromeanos, dizendo que o tempo do sujeito não é cronológico, é estruturante. É tempo de corte, de ato, de ruptura com a cadeia do significante. Ele parte de uma pergunta crucial: como o tempo se inscreve no inconsciente? E vai além. Questiona como o tempo pode ser representado topologicamente. Não como uma linha reta, mas como um nó que se dobra sobre si, como um laço que sustenta a existência mesma do sujeito. A lógica do tempo lacaniano é feita de três tempos: o instante de ver, o tempo para compreender e o momento de concluir. Mas neste seminário, esses tempos são redesenhados, curvados, esticado...

Jacques Lacan - Seminário XXV: "O Momento de Concluir"

Jacques Lacan - Seminário XXV: "O Momento de Concluir" (1977–1978) Neste seminário, Lacan já é um velho mestre. A palavra lhe escapa e ao mesmo tempo lhe pertence como nunca. Ele retorna à cena como quem conclui, mas o que conclui é o próprio gesto de não concluir. O título é irônico, porque aquilo que está por terminar não é o saber, mas a ilusão de que o saber possa concluir algo sobre o real. "O momento de concluir" é menos uma chegada e mais uma dobra. Lacan volta seu olhar para a experiência analítica com um tom crepuscular. É a análise enquanto ato. É o que resta quando o significante falha, quando o sintoma já não pede interpretação, mas uso. O real se impõe não como algo que se descobre, mas como algo com o qual se deve lidar. E é nesse ponto que o sinthoma se firma como solução singular do sujeito diante do impossível. Neste momento, Lacan abandona toda e qualquer esperança na transparência do saber. Ele afirma que não se trata de entender, mas de fazer. ...

Jacques Lacan - Seminário XXIV: "L’insu que sait de l’une-bévue s’aile à mourre"

  Jacques Lacan - Seminário XXIV: "L’insu que sait de l’une-bévue s’aile à mourre" (1976-1977) Neste seminário, o título já é uma charada. “L’insu que sait de l’une-bévue s’aile à mourre” é uma construção de palavras que evoca várias leituras possíveis. Traduzível de forma aproximada como “o não-sabido que sabe do equívoco feminino se eleva ao morrer” , ou ainda, “o insabido que sabe de uma-falha se alça à morte”. É o triunfo do lapsus, do trocadilho, da língua como corpo vivo que escapa à lógica do significante mestre. Lacan propõe neste seminário uma retomada da linguagem não mais como estrutura sólida, mas como tropeço. A língua falada se revela como lalíngua um corpo de som e gozo onde o sujeito se banha, onde o saber não é conceito, mas falha. Lalíngua é aquilo que se gruda à pele desde o início, como baba materna, como murmúrio inaugural que nos marca antes mesmo do sentido. Ele retoma aqui sua ideia de que “o inconsciente está estruturado como uma linguagem”, mas ago...