O sistema SEEKING e a vitalidade psíquica: Jaak Panksepp e o desejo que move a vida

 O sistema SEEKING e a vitalidade psíquica: Jaak Panksepp e o desejo que move a vida
O sistema SEEKING e a vitalidade psíquica: Jaak Panksepp e o desejo que move a vida

Há um tipo de sofrimento que chega ao consultório sem drama, sem grandes sintomas escandalosos, mas com uma força devastadora. O sujeito diz que está tudo mais ou menos bem, trabalha, se relaciona, cumpre suas funções, mas sente que algo perdeu o brilho. A vida segue, porém sem curiosidade, sem impulso, sem direção. Não é tristeza clássica, não é angústia aguda. É uma espécie de apagamento da vitalidade. Foi exatamente esse fenômeno que Jaak Panksepp ajudou a nomear quando descreveu o sistema SEEKING como o motor básico da vida psíquica.

Panksepp foi um neurocientista, psicólogo e pesquisador estoniano-americano, nascido em 1943 e falecido em 2017. Ele é considerado o fundador da neurociência afetiva. Seu trabalho foi revolucionário porque ele teve a ousadia de afirmar algo que muitos evitavam dizer em voz alta: o cérebro é organizado, antes de tudo, por sistemas emocionais primários. Não é a razão que governa a mente, mas o afeto. Freud já dizia isso de outro modo. Panksepp mostrou onde isso acontece no cérebro. 

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O sistema SEEKING começou a ser delineado a partir da década de 1980, mas ganha forma clara nos anos 1990 e se consolida em sua obra mais conhecida, Affective Neuroscience, publicada em 1998. Ali, Panksepp descreve sete sistemas emocionais primários, compartilhados por mamíferos e profundamente enraizados no cérebro subcortical. Entre eles, o SEEKING ocupa um lugar central. Ele não é um sistema de prazer imediato, nem de recompensa consumatória. É um sistema de busca, curiosidade, exploração e antecipação. É o que faz o sujeito levantar da cama e ir atrás de algo, mesmo sem saber exatamente o quê.

O SEEKING é mediado principalmente pela dopamina e por circuitos que envolvem o sistema mesolímbico. Mas reduzir isso à bioquímica seria empobrecer a questão. Clinicamente, o SEEKING é aquilo que sentimos como interesse pela vida. É o impulso que sustenta o desejo, a curiosidade, a capacidade de investir no mundo. Quando esse sistema está ativo, o sujeito sente que há algo adiante. Quando está inibido, a vida perde horizonte.

Panksepp mostrou que a depressão, por exemplo, não é apenas tristeza. Em muitos casos, é uma falha do sistema SEEKING. O sujeito não sofre só porque perdeu algo, mas porque perdeu a capacidade de buscar. Isso dialoga diretamente com Freud em Além do Princípio do Prazer, quando ele fala da perda de interesse pelo mundo externo. Dialoga também com Winnicott, quando descreve sujeitos que funcionam, mas não vivem criativamente. E se aproxima de Bion, ao pensar o colapso da curiosidade como uma falha na capacidade de aprender com a experiência.

Na clínica, isso aparece de forma quase corporal. Pacientes que dizem não sentir vontade de nada. Que não conseguem começar projetos. Que se mantêm em relações mornas, trabalhos sem sentido, escolhas automáticas. Não é preguiça, não é falta de caráter, não é ausência de motivação no sentido moral. É um sistema psíquico desativado. O desejo, nesses casos, não está reprimido, está sem energia.

Mark Solms, um dos principais nomes da neuropsicanálise contemporânea, reconhece em Panksepp um verdadeiro aliado de Freud. Solms afirma que o SEEKING é a base neurobiológica do desejo freudiano. Desejo não como objeto específico, mas como movimento. Antonio Damasio reforça essa ideia ao mostrar que decisões e escolhas só acontecem quando há um marcador somático, um sinal afetivo que empurra o sujeito em alguma direção. Onde não há afeto, não há escolha. Onde não há SEEKING, não há vida psíquica em expansão.

Filosoficamente, o sistema SEEKING conversa com ideias muito antigas. Aristóteles falava do desejo como aquilo que move o ser em direção ao bem percebido. Platão descrevia o Eros como força de ascensão, de busca do que falta. Nietzsche via na vontade uma potência afirmativa da vida. Heidegger, de outro modo, falava do ser humano como um ser lançado, sempre em direção a possibilidades. O SEEKING é o nome neurocientífico dessa antiga intuição: viver é estar em movimento.

Panksepp teve como grandes influências pesquisadores como Karl Pribram e Donald Hebb, mas também dialogou intensamente com a psicanálise, algo raro no campo da neurociência. Ele nunca tratou o inconsciente como metáfora. Para ele, os processos afetivos primários são inconscientes por definição. Sentimos antes de saber o que sentimos. Buscamos antes de saber o que buscamos. Isso desmonta a fantasia contemporânea de controle total sobre si mesmo.

Seu legado é imenso. Além de Affective Neuroscience, Panksepp publicou The Archaeology of Mind, onde aprofunda a ideia de camadas evolutivas da mente, e diversos artigos que dialogam diretamente com a clínica, a psiquiatria e a psicanálise. Seu trabalho influenciou profundamente autores como Mark Solms e abriu espaço para uma reaproximação séria entre cérebro e inconsciente, sem reducionismos.

Hoje, em uma cultura que confunde desejo com consumo e excitação com vitalidade, o conceito de SEEKING se torna ainda mais precioso. Muitos sujeitos não estão deprimidos no sentido clássico. Estão exauridos, saturados de estímulos, com o sistema de busca sequestrado por recompensas rápidas. O SEEKING precisa de tempo, silêncio e frustração. Ele não floresce no excesso.

Trabalhar clinicamente com isso não é estimular o sujeito a fazer mais, mas ajudá-lo a recuperar a capacidade de desejar. Às vezes, o primeiro sinal de melhora não é alegria, mas curiosidade. Uma pergunta que surge. Um incômodo que ganha forma. Um interesse tímido pelo mundo. Onde o SEEKING começa a se reorganizar, o desejo encontra espaço para existir novamente.

Panksepp nos deixou uma herança rara: a coragem de afirmar que a ciência do cérebro não precisa matar a alma para ser séria. Pelo contrário, pode ajudá-la a respirar. O sistema SEEKING nos lembra que viver não é apenas sobreviver ou funcionar. É buscar. Mesmo sem saber exatamente o quê.

A palavra SEEKING vem do inglês to seek, que significa buscar, procurar, ir em direção a algo ainda não plenamente conhecido.

Etimologia.
O verbo to seek deriva do inglês antigo sēcan, que já carregava a ideia de procurar ativamente, investigar, perseguir um objetivo ou um sentido. Esse termo vem do proto-germânico sōkjanan, ligado à noção de rastrear, seguir pistas, ir atrás. A raiz indo-europeia mais antiga é sag- ou sāk-, associada a procurar, examinar cuidadosamente, tentar alcançar. Desde a sua origem, portanto, seeking nunca significou encontrar, mas estar em movimento em direção a algo.

Isso é clinicamente decisivo. Seeking não fala de posse, fala de impulso. Não é sobre ter, é sobre ir. Jaak Panksepp escolheu esse termo exatamente por isso. O sistema SEEKING não é um sistema de prazer consumado, mas de busca, curiosidade, antecipação e expectativa. Ele empurra o sujeito para o mundo antes que exista um objeto definido. Freud chamaria isso de força pulsional em estado bruto.

Pronúncia em língua portuguesa.
A pronúncia mais próxima em português brasileiro é:

sí-kin

O primeiro som é um “si” curto e agudo.
O segundo é um “kin” rápido, com o “i” fechado, quase engolido.

Na escrita fonética aproximada: /ˈsiː.kɪŋ/.
O “g” final não é pronunciado como “gue”. Ele apenas nasaliza levemente o som final, algo entre “n” e “ng”.

Na prática clínica e acadêmica em português, muitos profissionais falam simplesmente “sikin”, e isso é perfeitamente compreensível e aceito.

Há algo de quase poético nessa etimologia. Seeking não é chegar, é sustentar a falta sem paralisar. É o motor do desejo antes de ele saber o que quer. Talvez por isso Panksepp tenha sido tão preciso. Onde o seeking morre, o sujeito ainda respira, mas a vida perde o rumo.

Referências Bibliográficas

Panksepp, J. Affective Neuroscience: The Foundations of Human and Animal Emotions. Oxford University Press.
Panksepp, J. The Archaeology of Mind. W. W. Norton & Company.
Freud, S. Além do Princípio do Prazer. Imago.
Freud, S. O Ego e o Id. Imago.
Winnicott, D. W. O Brincar e a Realidade. Imago.
Bion, W. R. Aprender com a Experiência. Imago.
Solms, M. The Hidden Spring. W. W. Norton & Company.
Damasio, A. O Erro de Descartes. Companhia das Letras.
Aristóteles. Ética a Nicômaco. Martin Claret.
Platão. O Banquete. Fundação Calouste Gulbenkian.
Nietzsche, F. Genealogia da Moral. Companhia das Letras.
Heidegger, M. Ser e Tempo. Vozes.
Panksepp, J. Affective Neuroscience. Oxford University Press.
Panksepp, J. The Archaeology of Mind. W. W. Norton & Company.
Oxford English Dictionary. Verb seek.
Solms, M. The Hidden Spring. W. W. Norton & Company.
Freud, S. Além do Princípio do Prazer. Imago.

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