A Fase Anal: O Berço do Controle e o Conflito entre Reter e Expelir

 A Fase Anal: O Berço do Controle e o Conflito entre Reter e Expelir

A Fase Anal: O Berço do Controle e o Conflito entre Reter e Expelir

A fase anal, no modelo psicossexual de desenvolvimento proposto por Freud, constitui um período crucial na formação da estrutura psíquica, estendendo-se aproximadamente dos 18 meses aos 3 anos de idade. É neste momento que a libido (a energia psíquica) se concentra na zona anal, e o grande campo de batalha do desenvolvimento psicossocial se estabelece em torno do controle esfincteriano e do treino de toalete1.

O significado profundo dessa fase reside no fato de que, pela primeira vez, o indivíduo é confrontado com a exigência de regulação e submissão a uma autoridade externa (os pais) e a regras sociais. A criança adquire a capacidade de controlar a retenção ou a expulsão das fezes, e é esse domínio sobre o próprio corpo que se torna a matéria-prima para a constituição da autonomia, da vontade e, paradoxalmente, da Neurose Obsessiva.

O Conflito Central: Reter vs. Expelir

A fase anal é definida pelo conflito dialético entre o reter e o expelir. Essa dualidade não é apenas fisiológica, mas fundamentalmente psíquica e social:

A Retenção (O Gosto Pelo Ter e Controlar)

A retenção das fezes é o primeiro ato de vontade consciente e, muitas vezes, de oposição da criança. As fezes são tratadas, simbolicamente, como o primeiro "presente" da criança ou, inversamente, como o primeiro objeto de sua posse e poder.

  • Poder e Afirmação: Reter confere uma sensação de poder onipotente sobre os pais e sobre o próprio corpo. É a primeira lição sobre o "ter" e o "possuir", sendo as fezes o primeiro "bem" produzido e controlado pela criança. A resistência em "dar" ou "expelir" é uma forma precoce de afirmação do Eu2.

  • Fundamento da Ordem: Essa tendência à retenção e à valorização do objeto se transforma, na vida adulta, em características como avareza (reter dinheiro), meticulosidade, ordem e obstinação (reter a opinião ou o poder). O desejo de manter tudo sob controle e aversão ao "desperdício" ou ao "sujo" derivam simbolicamente dessa matriz. A ordem obsessiva é a tentativa de reter o controle sobre o caos interno e externo.

A Expulsão (Agressividade e Desapego)

A expulsão, por sua vez, pode ser experienciada como um ato de alívio, de "doação" ou, em certos contextos, como uma manifestação de agressividade e destruição.

  • Agressividade e Prazer Sádico: A descarga da tensão acumulada pode estar associada a um prazer sádico-anal (em oposição ao prazer erótico-anal, ligado ao controle). A expulsão, quando usada como desafio à autoridade parental, simboliza o "sujar", o "estragar" e o desprezo pelo objeto e pela ordem4.

  • Base para a Procrastinação: Embora menos evidente, a expulsão em excesso (descontrole) pode estar ligada, em um nível mais profundo, ao medo do desapego ou da perda de controle. No adulto, o conflito pode se manifestar na procrastinação e na paralisia pela dúvida, que é uma forma de "reter" a decisão para evitar o ato de "expelir" (realizar) algo que possa ser imperfeito ou destrutivo.

A Ligação com a Neurose Obsessiva

A Neurose Obsessiva é considerada a forma adulta e patológica na qual o conflito anal foi mal resolvido ou fixado. A estrutura obsessiva nasce dessa exigência de controle em um ambiente onde o indivíduo se sente inseguro para lidar com a ambivalência afetiva (amor e ódio simultâneos).

  • A Dúvida e o Superego: A criança aprende que as fezes são valorizadas, mas também que são "sujas". Essa ambivalência (valor e repulsa) é internalizada. Na Neurose Obsessiva, a ambivalência afetiva (o desejo de amar e, ao mesmo tempo, de ser agressivo) é deslocada para o campo do pensamento, gerando a dúvida neurótica5.

  • Rituais Compulsivos: Os rituais compulsivos (como a lavagem de mãos ou a verificação) são, na essência, uma tentativa mágica e desesperada de anular o ato agressivo ou o pensamento proibido. É como se o indivíduo estivesse repetindo o controle esfincteriano: o ritual é o esforço para reter a ansiedade e expelir a culpa, mantendo a ordem psíquica a qualquer custo.

Em suma, a fase anal estabelece os alicerces do caráter anal (ordem, obstinação, avareza) e pavimenta o caminho para a Neurose Obsessiva, estruturando a mente em torno da luta incessante para dominar o caos através da ordem rígida e da retenção de controle. O indivíduo obsessivo está preso a um eterno treino de toalete psíquico, onde a satisfação está na tentativa de controle, e a angústia reside na inevitabilidade da desordem e da imperfeição.

Referências Bibliográficas

  1. Freud, S. (1908). Caráter e Erotismo Anal. Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud.

  2. Laplanche, J., & Pontalis, J.-B. (2001). Vocabulário da Psicanálise. 4ª ed. São Paulo: Martins Fontes.

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