A Inquietante Familiaridade: Por Que o Estranho é o Que Não Conseguimos Reprimir
A Inquietante Familiaridade: Por Que o Estranho é o Que Não Conseguimos Reprimir
Há uma sombra que nos visita, um calafrio que não tem origem na escuridão de fora, mas na penumbra do nosso próprio lar interior. Por que certas imagens, lugares ou repetições nos causam uma sensação intensa de estranheza e inquietude que a razão é incapaz de decifrar? Não é o medo do novo, mas o terror do que é reconhecível, porém deslocado. Em seu ensaio de 1919, Sigmund Freud deu o nome a essa experiência: o Unheimlich¹ (O Estranho Inquietante, em alemão), um conceito que desvela a ação implacável do Inconsciente.
O Estranho Inquietante: Por Que a Intimidade se Torna um Pesadelo?
O Unheimlich não é o que é alheio, estrangeiro ou desconhecido. Sua força reside, paradoxalmente, na familiaridade. A etimologia nos revela o paradoxo: heimlich significa "íntimo," "acolhedor," "pertencente ao lar." O Unheimlich é, portanto, o não-íntimo, o que subverte a paz do lar. Ele é aquilo que é familiar e íntimo, mas que deveria ter permanecido oculto, reprimido nas masmorras do psiquismo, e que subitamente retorna à consciência como uma aparição fantasmática.
Essa experiência não é um lapso da percepção, mas a prova cabal do retorno do reprimido. O Unheimlich atua como um mensageiro cifrado dos nossos medos mais arcaicos e infantis, o temor da castração, a pulsão de morte ou a angústia diante de um corpo que se desintegra. Medos que a mente consciente, por um ato de autodefesa, tentou recalcar. O Estranho Inquietante é a Pedra Bruta que insiste em se manifestar, mesmo depois de tentarmos enterrá-la.
A Repetição Compulsiva e a Sombra Que Nos Habita
Onde o Unheimlich se manifesta com maior poder?
Ele se insinua em fenômenos que beiram o misterioso e o macabro, mas que, na verdade, são apenas ecos do nosso próprio passado:
Bonecas e Autômatos: Figuras que são excessivamente parecidas com o humano, mas com algo que falha na vitalidade, evocando o medo da perda da alma ou da fronteira incerta entre a vida e a morte.
Pressentimentos: Aquela sensação intensa de que algo terrível vai acontecer, mas que, no fundo, já aconteceu em alguma cena traumática da infância.
Repetição Compulsiva: O reencontro bizarro e inesperado com uma pessoa ou situação que havíamos tentado esquecer, provando que o destino é, muitas vezes, apenas a projeção do nosso roteiro interno.
A Repetição Compulsiva, estudada por Freud, é um dos veículos mais potentes do Unheimlich. É o motor que nos faz reviver situações traumáticas, não por um desejo consciente de sofrer, mas pela necessidade inconsciente de tentar dominar aquilo que nos dominou no passado. O Estranho Inquietante é o lembrete de que o Inconsciente não aceita o esquecimento total; ele exige que o drama seja reencenado até que a palavra possa iluminar a cena.
A Psicanálise como a Luz sobre o Estranho
A jornada do Aprendiz e o trabalho da Psicanálise são, essencialmente, a tentativa de desarmar o Unheimlich.
O desconforto inexplicável e o terror da estranheza são transformados em Consciência e Linguagem. Ao dar nome a esse fenômeno, ao acolher o que foi reprimido e trazê-lo para a análise, o Psicanalista desarma o terror. O que antes era uma força misteriosa que nos assombrava, torna-se um sintoma, uma narrativa que pode ser integrada à história do sujeito.
A Psicanálise ilumina o paradoxo: o nosso maior medo não é o que está fora, mas sim o que habita em nós e que não queremos ver. Transformar o "retorno do reprimido" em palavra é o primeiro passo para conquistar a liberdade diante do próprio passado e redefinir o que é o nosso verdadeiro lar psíquico.
🌟 Chamado à Ação Profundo
Se a sua vida tem sido marcada por repetições estranhas, se você sente que há um roteiro invisível ditando seus encontros e sofrimentos, talvez seja a hora de iluminar as sombras. A Psicanálise oferece a bússola para mapear o território do seu Estranho Inquietante.
Convido você: Não permita que o terror do que é familiar, mas reprimido, guie sua jornada. Compartilhe esta reflexão se ela tocou o seu ponto de inquietude e pense em transformar a sua repetição em criação. Caso se identifique com meus artigos, deixe um comentário no final!
¹. "Unheimlich", palavra alemã, fundamental no estudo da Psicanálise, não possui uma tradução fonética exata para o português do Brasil, mas a pronúncia mais próxima e adotada no meio acadêmico é:
"Un-Rráim-Li(r)sh"
Para uma compreensão mais clara, podemos decompor a pronúncia:
Un-: Pronuncie-se como o som nasalizado de 'un' em palavras como mundo ou junto.
-heim-: Esta é a parte mais distintiva. O 'H' é aspirado (como o 'R' em rato no português brasileiro), e o ditongo 'ei' soa como 'aí' ou 'áim'. Resulta em "Rráim".
-lich: O final "-ch" é um som gutural suave (como o final do nome Bach em alemão). No Brasil, ele é frequentemente simplificado, soando como um 'li(r)sh', onde o 'sh' é levemente sibilante, similar ao som de 'x' em xícara, mas bem mais suave e menos forte, quase como um "ch" no final da sílaba.
Portanto, ao se referir ao conceito de Freud em um debate ou artigo, você diria "Un-Rráim-Li(r)sh", enfatizando a força do "Rráim".
📚 Referências Bibliográficas e Citações
Freud, Sigmund. O Estranho (Unheimlich). Ensaio de 1919. (A obra que define o conceito como o retorno do familiar reprimido).
Lacan, Jacques. O Seminário, Livro 11: Os Quatro Conceitos Fundamentais da Psicanálise. (Referência ao Inconsciente como discurso do Outro e à constituição do sujeito pela linguagem, que contextualiza a estranheza.)
Nietzsche, Friedrich. Crepúsculo dos Ídolos. (Obra que contém aforismos sobre a superação das adversidades, aplicável ao enfrentamento do Inconsciente: "O que não me mata, me fortalece.")

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