Sintomas e Inibições

Sintomas e Inibições
Sintomas e Inibições

Introdução

Em psicanálise, sintomas e inibições são dois modos distintos que o inconsciente encontra para lidar com conflitos internos. Sintoma manifesta, simboliza algo recalcado; inibição interrompe, bloqueia, impede que ações ou funções psíquicas se desenrolem. Ambos falam de desejo, de eu, de angústia, e têm implicações clínicas profundas. Hoje revisito esses conceitos, suas diferenças, cruzamentos, e como a neuro-psicanálise os ilumina.

O que são sintomas?

Sintoma é aquilo que se forma como mensagem do inconsciente. Freud pensou o sintoma como expressão de um conflito psíquico que não pôde ser resolvido, recalcado, mas que retorna deformado — como sonho, ato falho, compulsão, conversão. Ele não é escolha consciente; é resultado de forças psíquicas em luta: instinto, desejo, supereu, memória primária. Sintoma é uma construção simbólica: algo do desejo quer se dizer, mas só pode aparecer atravessado por deformações.

Sintomas podem ser recompostos, interpretados, resignificados na clínica. Eles oferecem pistas. Através deles emergem narrativas recalcadas, traumas antigos, ambivalências. Tratam-se de possibilidades de trabalhar com o sujeito para que saia da repetição automática.

O que são inibições?

Inibição é diferente. É um impedimento: uma limitação funcional do eu. Não é um sintoma visível ou manifesto, mas um recuo, renúncia, abdicação. O sujeito se defende prevendo o conflito, evitando a ação, limitando sua própria expressão. Inibição pode manifestar-se como medo de falar, impossibilidade de agir, de exercer uma função, ruminar, procrastinar, evitar o desejo. Muitas vezes parece estar presa ao ideal do eu, ao supereu que impõe renúncias, ao medo de julgamento.

Freud aborda inibição junto com sintoma e angústia (texto “Inibição, sintoma e angústia”, 1926) mostrando que, enquanto sintoma envolve trabalho psíquico, inibição traz um trabalho psíquico impedido, congelado. Inibição pode ser menos visível, mas impacta fortemente a vida: limita projetos, reduz potências, gera sofrimento silencioso. ([turn0search0] Henckel: Considerações sobre inibição e sintomas)

Diferenças clínicas entre sintoma e inibição

Enquanto sintoma se apresenta com forma (um gesto, um ritual, uma compulsão, uma somatização), inibição é aquilo que não se faz, o silêncio, a omissão, a restrição. Sintoma costuma ser reconhecível como “problema”, algo que incomoda externamente ou intrapsiquicamente; inibição pode passar despercebida pelo sujeito ou pelos outros.

Sintoma exige que se entre em conflito com instâncias psíquicas: ele é uma operação de substituição, deslocamento, condensação. Inibição evita esse conflito antecipadamente, limitando o movimento do eu. Em clínica, isso significa que tratar sintoma muitas vezes exige interpretação, elaboração, talvez psicofármacos; tratar inibição exige estimular coragem, possibilitar espaço seguro para agir, tolerar medo, suportar rejeição ou vergonha.

Neuro-psicanálise e como o corpo participa

Neurociência mostra que inibição e sintoma envolvem circuitos cerebrais semelhantes, mas com diferenciações: ativação do circuito de alarme, do estresse, da amígdala, ansiedade somática. A inibição pode corresponder a uma diminuição de ativação motora ou executiva, ou limitação do sistema de recompensa: o sujeito evita agir pois antecipação de dor, rejeição, angústia ativaria circuitos de sofrimento.

Em casos de sintoma, há muitas vezes uma descarga corporal: tremores, tensão, dores, sintomas somáticos. Neuro-psicanálise permite ver como certas condições neurológicas ou neurovegetativas influenciam os limites do eu em tolerar o incômodo, o desconforto. É o corpo que muitas vezes revela o que a mente recusa.

Implicações para tratamento

Na clínica psicanalítica é essencial distinguir o que é sintoma e o que é inibição, porque o tratamento difere. Para sintomas há que se escutar sua linguagem, entender o que substitui ou desloca o desejo. Para inibições há que se criar condições para que o sujeito possa arriscar ação, experimentar falta, tolerar o novo, caminhar no risco.

Também terapias integradas ajudam: psicoterapia de apoio, terapia cognitivo-comportamental para inibições comportamentais, intervenções corporais, práticas que envolvem gesto, expressão. O analista deve acolher não só o sintoma visível, mas o silêncio do que foi inibido.

Conclusão

Sintomas e inibições são faces da mesma economia psíquica: formas pelas quais o sujeito lida com desejo, supereu, angústia, inconsciente. Sintoma mostra aquilo que escapou de ser recalcado, embora torto; inibição mostra aquilo que foi freado antes de florescer. Ambos são reais, ambos doem, ambos dizem algo sobre o sujeito. Encontrar coragem para olhar o sintoma, para enfrentar a inibição, para aceitar o risco de fratura, esse pode ser o caminho para mais integridade psíquica.

Livros em português recomendados

  1. Inibição, sintoma e angústia de Sigmund Freud (Obras Completas, edição standard brasileira)

  2. Sintoma: Fonema, Inconsciente e Sintoma criativo (autor/a - coletânea ou autor contemporâneo que articule psicanálise e sintoma) - disponível na Amazon Brasil

  3. Psicanálise: sintoma, corpo e sujeito (obra nacional que entrelaça corpo, sintoma e clínica) - disponível na Amazon Brasil

Biográficas

Sigmund Freud (1856-1939) pai da psicanálise, formulou os conceitos de sintoma, inibição e angústia, recalcamento, inconsciente.

Jacques Lacan (1901-1981) psicanalista francês, relê Freud com ênfase no simbólico, imaginário, real; thought-leader em nominação de sintomas, conceito de nome-do-pai e a tríade inibição-sintoma-angústia em seu ensino.

Miriam Henckel psicanalista brasileira autora de Considerações sobre inibição e sintomas, trouxe discussões clínicas com crianças, delimitações entre inibição e sintoma no funcionamento do eu, pesquisas nacionais relevantes.

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