Mário Sérgio Cortella - Não Nascemos Prontos

Mário Sérgio Cortella - Não Nascemos Prontos
"A construção do "eu" é, portanto, uma eterna negociação entre o que somos e o que o inconsciente nos impulsiona a ser." 

Ruy de Oliveira 

A jornada da vida é um rio que corre, e a cada passo, a cada curva, percebemos que não somos ilhas estáticas, mas sim um constante devir. Não Nascemos Prontos, essa é a tese de Cortella que ecoa na alma de quem busca compreender a própria existência. Mergulhar nesse conceito é como abrir uma janela para o abismo de nós mesmos, um abismo que, ao invés de assustar, convida à construção.

O fio condutor da obra de Cortella tece uma crítica sutil à ilusão de uma vida pré-fabricada. Nascemos com um potencial latente, mas a casca que nos envolve é um vazio a ser preenchido, uma argila a ser moldada. Essa é a essência do pensamento corteliano, que se alinha com a neurociência, a filosofia e a psicanálise, criando uma tapeçaria rica e complexa.

O Vazio da Essência e a Argila da Existência: Diálogos entre Neurociência e Filosofia

A neurociência, com sua frieza matemática, nos mostra que o cérebro humano, ao nascer, é uma rede neuronal em estado de espera. Sinapses, os pontos de conexão entre os neurônios, são formadas e fortalecidas pela experiência, pela aprendizagem e pelas interações com o mundo. O cérebro não é um hardware completo; é um software que se autoprograma ao longo da vida. Não nascemos prontos, mas com uma arquitetura plástica e adaptável, pronta para ser esculpida pela vivência.

A filosofia, por sua vez, nos dá a lente para enxergar essa maleabilidade com outros olhos. O existencialismo de Sartre já nos dizia que "a existência precede a essência". Primeiro, somos lançados ao mundo, para só depois construirmos quem somos. Não há um "eu" fixo, um destino imutável. Somos a soma de nossas escolhas, de nossas renúncias, de nossos encontros. Cada decisão, por menor que seja, é um traço na tela em branco da nossa identidade.

Esse diálogo entre neurociência e filosofia revela um paradoxo fascinante: somos, ao mesmo tempo, produto de nossa biologia e de nossas escolhas. O cérebro, com sua plasticidade, nos permite aprender e evoluir, mas a direção dessa evolução é dada pela nossa liberdade de agir, de pensar, de amar e de sofrer.

A Dança da Alma e do Inconsciente: Uma Perspectiva Psicanalítica

A psicanálise, com sua profundidade, nos convida a explorar as camadas subterrâneas da nossa psique. Para Freud, o inconsciente é o motor da nossa vida, um reservatório de desejos, memórias e traumas que moldam nossa personalidade. Não nascemos prontos porque carregamos um fardo invisível, um eco de nossas primeiras experiências. 

A busca pela completude, essa ilusão que a sociedade nos vende, é, na verdade, uma corrida contra o próprio destino. Lacan, com sua teoria do estádio do espelho, nos mostra que o "eu" é uma imagem ilusória, uma projeção que criamos para nos sentir inteiros. A verdade é que somos feitos de faltas, de buracos que nunca serão preenchidos. E é nessa falta, nesse anseio, que reside a nossa capacidade de buscar, de evoluir, de nos tornarmos.

A vida, sob a ótica psicanalítica, não é um caminho em direção a um ponto final, mas sim uma jornada de autoconhecimento, de desvendamento do que nos habita. Não nascemos prontos porque o processo de individuação, de se tornar quem somos, é uma busca interminável, um mergulho nas profundezas do nosso ser.

A Poesia do Devir: A Construção do Ser

O "Não Nascemos Prontos" de Cortella é um convite à poesia da existência. A vida não é um poema pronto, mas uma folha em branco, onde cada verso é uma escolha, uma atitude, um encontro. A linguagem lírica da alma se manifesta na nossa capacidade de nos reinventar, de abandonar o que não nos serve mais e de abraçar o novo, o incerto.

O convite é para abraçar a imperfeição. Não precisamos ser perfeitos, porque a perfeição é a morte do movimento. A beleza da vida reside na sua imperfeição, na sua capacidade de nos surpreender, de nos desafiar. A nossa única obrigação é a de nos tornarmos. É a de viver a vida como um ato de criação, como uma obra de arte em constante construção.

Reflexão Final: O Despertar da Consciência

A obra de Cortella nos incita a despertar, a sair do sono da inércia e a assumir a responsabilidade por nossa própria vida. Não nascemos prontos é o grito de guerra dos que não se contentam com a mediocridade, dos que buscam ir além do senso comum. É a epifania de que a nossa existência é uma dádiva, um presente que devemos desdobrar, a cada dia, com curiosidade e coragem.

Qual o seu próximo passo? O que você tem feito para se tornar a pessoa que você quer ser? A resposta não está em um livro, em um guru, ou em uma fórmula mágica. A resposta está dentro de você, nas suas escolhas, nas suas ações. A jornada é longa, o caminho é incerto, mas a beleza da vida reside na aventura de se construir. E nesse processo, a cada novo amanhecer, descobrimos um pedaço novo de nós mesmos.

Referências Bibliográficas

  • CORTELLA, Mário Sérgio. Não Nascemos Prontos!. Petrópolis: Vozes, 2007.

  • DAMÁSIO, António. O Erro de Descartes. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.

  • FREUD, Sigmund. Obras Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1996.

  • SARTRE, Jean-Paul. O Existencialismo é um Humanismo. São Paulo: Nova Cultural, 2011.

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