Frustrações e seus desdobramentos
Frustrações e seus desdobramentos
Introdução
A palavra frustração vem do latim frustrātiō, -ōnis, substantivo formado a partir do verbo frūstrāre que significa enganar, fazer em vão, tornar inútil. Em latim aparece também o advérbio frustra, que quer dizer “em vão”, “sem efeito”, e é a base semântica primeira da família de palavras. (Dicionário Priberam)
Do ponto de vista morfológico, a sequência é clara: frustra (adv.) deu origem ao verbo frūstrāre (fazer em vão, frustrar, enganar), cujo supino/past-particípio e forma nominal geraram frustrātiō (ação de frustrar, decepção, falha). O sufixo latino -tiō / -tio passou para as línguas românicas como o nosso sufixo -ção, produzindo em português frustração. (latin-dictionary.net)
Semântica e evolução histórica: originalmente a ideia centrava-se em “fazer em vão” ou “tornar vã a expectativa”; daí derivou o sentido de “engano” ou “decepção” (algo foi em vão porque houve engano ou falha). Com o tempo o sentido deslocou-se do ato para o efeito subjetivo: o substantivo em línguas modernas passou a nomear o estado afetivo resultante do malogro, isto é, o sentimento de desapontamento ou frustração quando uma expectativa não se realiza. Em inglês a via de transmissão e adaptação semântica é parecida: frustration do latim frustratio, com registro em inglês desde os séculos XV–XVI. (etymonline.com)
Relações lexicais e parentescos: frustração está ligada lexicalmente a frustrar (verbo) e frustrado (particípio/adjetivo). Etimologicamente havia também conexão temática com fraus / fraud no sentido de dano, engano ou fraude, ainda que a origem profunda de fraus seja mais obscura e debatida pelos lexicógrafos. Em línguas românicas como o espanhol aparece a forma frustración com evolução paralela. (etymonline.com)
Em resumo, frustração viaja do latim para o português por um caminho morfológico e semântico bastante transparente: do advérbio frustra (“em vão”) para o verbo frūstrāre (“tornar vão, enganar”) e a partir daí para o substantivo frustrātiō, que desemboca no moderno sentido psicológico de desapontamento diante de desejos não realizados. (Dicionário Priberam)
O que é frustração: psicologia, filosofia e psicanálise
Frustração nasce quando uma necessidade, real ou subjetiva, é contrariada. Filosoficamente, já em figuras como Epicuro ou os estoicos, há reflexão sobre desejo e sua dor. Na psicanálise clássica Freud tratou da frustração como inerente à condição humana: desde o bebê que depende do outro, enfrenta limites; isso gera carência, melancolia, mas também estrutura psíquica. Lacan articulou frustração com falta: não há objeto perfeito que satisfaça totalmente, há sempre algo que falta.
Desdobramentos psíquicos da frustração
Quando a frustração é tolerável, ela pode estimular amadurecimento: paciência, renegociação de expectativas, refinamento de desejos. Quando intolerável, pode gerar sintomas: irritabilidade, raiva crônica, depressão, ansiedade, baixa autoestima, ruminação. Em casos extremos, frustração não elaborada pode produzir desespero ou estados de angústia profunda, surtos psicóticos ou desrealização.
Na clínica psicanalítica, frustração é terreno de transferência: o paciente revê suas primeiras frustrações, confronta expectativas parentais, idealizações, e reencontra possibilidade de simbolizar o que foi recalcado.
Perspectiva neuro-psicanalítica: corpo, cérebro, emoção
Neurociência mostra que frustração ativa circuitos de alarme: amígdala, córtex pré-frontal, eixo HPA, neurotransmissores como dopamina e cortisol. Expectativas frustradas, recompensas antecipadas não recebidas, geram descarga de estresse, sensação de decepção fisiológica. O corpo sente primeiro: tensão muscular, sudorese, desconforto visceral.
Neuro-psicanálise estuda como essas respostas somáticas se tornam representações psíquicas: como o sujeito internaliza o que foi negado, recalcado, ou como reage defensivamente (negação, projeção, raiva). A plasticidade neural permite que frustrações sejam internalizadas de modo mais adaptativo, se houver suporte, simbolização, narrativa.
Frustração na linguagem diagnóstica e manual-psiquiátrico
Não existe em DSM-5 um “transtorno de frustração” isolado, mas muitos diagnósticos envolvem frustrações crônicas: transtorno de personalidade borderline, depressão persistente, transtorno de ajustamento, transtornos de ansiedade. O manual reconhece que fatores psicossociais, expectativas, perdas, luto, papel cultural são críticos. Embora não se patologize a frustração em si, o impacto dela sobre funcionamento, humor, comportamento, é relevante para diagnóstico e tratamento.
Caminhos na clínica para lidar com frustração
Clínica psicanalítica oferece espaço seguro para que o sujeito contar decepções, revisitar expectativas, escutar o desejo que foi negado ou silenciado. Trabalho de interpretação, de transferência, de simbolização, de aceitar que não há objeto ideal.
Intervenções híbridas podem ajudar: psicoterapia cognitivo-comportamental para trabalhar expectativas e evitar ruminação; intervenções corporais, mindfulness para autorregulação emocional; abordagens existenciais ou logoterapêuticas para encontrar significado na limitação; suporte social, laços de amizade que acolhem falha e finitude.
Conclusão
Frustrações são inevitáveis. A vida não se ajusta aos nossos desejos, e insistir nisso é sofrer desnecessariamente. Mas aceitar a frustração, dar-lhe voz, simbolizá-la, abrir mão da ilusão de controle absoluto, isso pode abrir espaço para o novo, para o real, para a criação de sentidos. A clínica psicanalítica e a neuro-psicanálise nos lembram que dor psíquica e resposta física estão entrelaçadas, e que atravessar frustração é ato de coragem, de liberação do ideal irreal, de reinvenção de vida.
Livros recomendados em português
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Frustração: 100 Perguntas para Lidar com o Que Não Acontece Como Você Quer de Schutz - ferramenta leve, útil, reflexiva. (Livraria Florence)
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Frustração: Como treinar suas competências emocionais para enfrentar desafios - obra que ajuda a desenvolver capacidade emocional diante das adversidades. (Amazon)
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O Labirinto da Frustração de Odair Comin - trata da experiência subjetiva da frustração de modo profundo. (Amazon)
Estudos brasileiros recentes sobre frustração e temas correlatos
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Adaptação e propriedades psicométricas da versão brasileira da Escala de Frustração e Desconforto (EFD) - Luanna dos Santos Silva & André Faro, 2021. Trabalho que adaptou para o português uma escala que mede crenças de intolerância à frustração, identificando dimensões (emocional, desconforto, direito etc.) e relacionando com sintomas de ansiedade e depressão via PHQ-4. A amostra foi de universitários. (ResearchGate)
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Frustrações podem causar traumas e alterar o funcionamento do cérebro - artigo no Jornal da USP (Campus Ribeirão Preto), novembro de 2023. Esse texto reporta que o cérebro, diante de frustrações significativas, pode alterar seus circuitos, adaptando-se, acomodando-se ou reagindo de modo a preservar funcionalidade. Mostra que frustração não é só emocional, tem desdobramentos neurobiológicos. (Jornal USP)
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Desilusões na clínica - JH Gheller, 2025. Embora o foco seja mais sobre “desilusão” do que frustração per se, este artigo aborda como o paciente e o analista lidam com expectativas quebradas, com ruídos na relação clínica, com a imperfeição do laço terapêutico. Dá pistas de como as frustrações entram no processo analítico vivo. (Pepsic)
Biográficas
Sigmund Freud (1856-1939) médico neurologista austríaco, pai da psicanálise. Introduziu o inconsciente, o recalque, o desejo, as primeiras formulações sobre angústia e frustração.
Jacques Lacan (1901-1981) psicanalista francês que revisitou Freud à luz da linguagem, enfatizou a noção de falta, desejo, o significante, mostrando que frustração é estrutural ao sujeito falante.
Ronald Schutz autor contemporâneo brasileiro do livro Frustração: 100 Perguntas…, reflexivo, prático, que ajuda leigos e estudantes a lidar com o que não se realiza, com o choque entre expectativas e realidade.

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