Durkheim, Psicanálise e Clínica: pensar o suicídio além do sujeito isolado
Durkheim, Psicanálise e Clínica: pensar o suicídio além do sujeito isolado
Quando trazemos Durkheim para a clínica psicanalítica, estamos dizendo que o sujeito não é ilha. Seu inconsciente guarda fantasmas pessoais, sim, mas também abismos sociais; suas angústias ecoam rupturas coletivas, desregulação normativa, enfraquecimento de laços. A clínica se enriquece se admite que o sintoma suicida pode ter raízes que se estendem além do steering interno.
Caso clínico ilustrativo 1: o isolamento como fermento de egoísmo
Análise à luz de Durkheim + psicanálise
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Há aqui um perfil de suicídio egoísta: baixa integração social, sentimento de desamparo, perda de sentido de pertencimento.
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Do ponto de vista psicanalítico, emergem fantasmas de abandono, de ser “não visto”, repercussões possivelmente de carências primárias, de vínculos precários, de falas não ouvidas.
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A associação trabalho‐sozinho, vida privada descontínua cria um vazio social que amplifica os fantasmas pessoais.
Implicações clínicas
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Intervenção em nivel local: estimular reconexões comunitárias, grupos de pares, práticas de afetos (não só terapêuticas), espaços de solidariedade.
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Na análise: explorar as fantasias de invisibilidade, as imagens internas de abandono, o ideal do objeto perdido.
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Evitar olhar exclusivo para sintomas ou farmacologia: tratar simultaneamente a ferida subjetiva e o contexto social que amorfa o eu.
Caso clínico ilustrativo 2: o altruísmo suicida dissimulado
Análise à luz de Durkheim + psicanálise
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Suicídio altruísta: excesso de integração, de dever social, de identificação com o coletivo a ponto de silenciar suas próprias queixas.
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No inconsciente: pode haver identificação com figuras parentais sacrificantes, ideal do self exigente, decomposição entre o que Maria quer e o que supõe que deve fazer.
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Esse “dever” social pode funcionar como obrigação moral internalizada, geradora de culpa, violência autoimposta.
Implicações clínicas
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Trabalhar o limite entre responsabilidade e autoanulação; fazer Maria perceber que cuidar não exige morte de si mesma.
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Modalidades de protesto interno: exigir espaço para desejo, frustração, para corpo que adoece não só por causa externa mas por desgaste interno.
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Uso de metáforas: “ser curvado pelo peso da devoção” para mostrar que há um ponto em que a alma dobra, racha.
Caso clínico ilustrativo 3: crise, anomia e ruído normativo
Análise à luz de Durkheim + psicanálise
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Esse é suicídio anômico: desregulação, ruptura súbita das normas, expectativas frustradas; a estrutura social não regula mais de forma estável.
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No nível subjetivo: tristeza, raiva, desejo de vingança contra certezas quebradas, fantasmas de falência ou impotência; “o ideal do ego” que não aguentou a oscilação entre promessa e desastre.
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Possíveis pulsões de desordem interna emergem quando o sujeito não consegue simbolizar a crise como experiência vivida, mas como desmoronamento inexorável.
Implicações clínicas
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Explorar esse “new normal” angustiante, permitir que Lucas fale da desorientação, do “antes era outra coisa”.
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Gerar narrativas de sentido que acolham a crise, em vez de impô-las: a crise como oportunidade de reconstrução, de revaloração dos valores internos.
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No setting: atenção a transferência de ruído normativo - o analista não deve ser porta-voz de ideais sociais “vitoriosos”, mas provocador de escutas diferentes.
Supervisão clínica: metáforas e pontos de atenção
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Metáfora do tecido social: pensar o sujeito como trama feita por fios sociais, afetivos, normativos. Quando muitos fios arrebentam, o buraco aparece como suicídio ou ideação suicida.
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Metáfora do espelho coletivo: quais imagens o paciente vê de si quando se olha no espelho que a sociedade oferece? Imagens de invisibilidade, de expectativa fracassada, de obrigação insuportável?
Pontos de atenção para psicanalistas
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Nunca reduzir ao psicopatológico sem verificar as fissuras sociais que contextos recentes (economia, pandemia, desemprego, crise moral/política) abriram para o sujeito.
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O simbolismo do laço social: família, religião, trabalho, comunidade. Quais estão vivos, quais quebrados?
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Resistência, transferência, pulsão de morte: essas categorias psicanalíticas dialogam com Durkheim se admitirmos que pulsões não brotam no vácuo, mas em campo social saturado de normas, expectativas, promessas falhas.

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