Angústia, Pânico e Desamparo na Clínica Psicanalítica

Angústia, Pânico e Desamparo na Clínica Psicanalítica
Angústia, Pânico e Desamparo na Clínica Psicanalítica

Introdução

Sentir o peito apertado, o medo sem rosto, o desamparo que me toma de surpresa: essas experiências visitam muitos, e na clínica psicanalítica aparecem como sinais, como urgências. Angústia, pânico, desamparo não são somente categorias técnicas, são estados da alma que clamam por interpretação, acolhimento e também por compreensão biológica. Neste artigo exploro como essas noções se desenvolveram historicamente, como aparecem no DSM-5, como a psicanálise e a neuro-psicanálise lidam com elas, e quais obras em português podem aprofundar esse diálogo.

História do conceito: da angústia Freudiana ao transtorno de pânico

Freud já falava de angústia como sentimento primordial, antes da ilusão do controle, antes da lei do supereu. Ele vinculou angústia aos instintos, ao inconsciente, ao trauma, ao desejo não realizado, ao vazio que o sujeito tenta evitar. Com o tempo, psiquiatria e psicologia começaram a codificar sintomas mais concretos: o que Freud descrevia clinicamente como crise de angústia chegou ao modelo de transtorno de pânico (panic disorder). A categoria de transtorno de pânico aparece nos manuais diagnósticos modernos, definindo ataques recorrentes de medo intenso, acompanhados por sintomas físicos fortes, sensações de morte iminente ou de perder o controle. (NCBI)

DSM-5 e critérios clínicos do pânico e angústia

O DSM-5 define transtorno de pânico como episódios repentinos de medo intenso ou desconforto, atingindo pico em minutos, com sintomas como taquicardia, sudorese, tremor, falta de ar, sensação de sufocamento, medo de morrer ou enlouquecer. Importante: pelo menos um desses ataques deve ser seguido de um mês ou mais de preocupação persistente sobre ter outro ataque ou sobre suas consequências, ou de mudanças comportamentais significativas para evitar situações associadas. (NCBI)

Além disso, angústia aparece em outras categorias: transtornos de ansiedade generalizada, transtorno de estresse pós-traumático, transtornos de ajustamento, depressão com componente ansioso. No DSM-5 também se reconhece que o desamparo pode funcionar como estado disposicional, ligado ao apego, à infância, ao trauma, não necessariamente como diagnóstico separado, mas como tema central na clínica.

Perspectiva psicanalítica e neuro-psicanalítica

Psicanálise vê angústia como sinal de algo que não foi simbolizado, de desejo recalcado, conflito intrapsíquico. O pânico, quando invade sem aviso, empobrece o símbolo, fragmenta o sujeito, ativa o corpo: tremores, palpitações, sensação de sufocamento. O desamparo é o solo original: a criança abandonada, vulnerável, sem promessa de presença paternal, vive uma angústia primeira que se repete em vínculos, perdas, rupturas.

Neuro-psicanálise agrega: sensações de pânico ativam circuitos de alarme no cérebro — amígdala, locus coeruleus, eixo HPA, disparos autonômicos. O corpo sente primeiro, antes da palavra. Cortisol sobe, respiração muda, o sistema nervoso fica alerta. [Ver estudos recentes sobre etiologia]. (Medscape)

Implicações para a clínica psicanalítica

Na clínica, quem vive angústia ou pânico busca não só alívio de sintomas, mas um espaço para contar aquilo que não tem palavras, para escavar o desejo, para articular memória, culpa, medo. O analista precisa tolerar o desespero, não fugir dele, ofertar uma presença que resista à fragmentação. A angústia pode se tornar quadro patológico, mas também é oportunidade de encontro subjetivo, de elaborar o que assusta.

Tratamentos híbridos podem colaborar: psicofarmacologia para estabilizar crises, terapias cognitivo-comportamentais para manejar sintomas, psicanálise para profundidade, neurociência para mapear como o corpo participa desse drama psíquico.

Livros em português recomendados

Aqui três livros que tratam com profundidade angústia, pânico ou desamparo, disponíveis na Amazon Brasil:

  • Pânico e Psicanálise – A Angústia em Freud e Lacan — explora como Freud e Lacan pensaram a angústia, seu modo de manifestação clínica. (Amazon Brasil)

  • Angústia (PAP - Psicanálise): Sonia Leite — análise didática da experiência da angústia, seus sinais e formas de trabalho psicanalítico. (Amazon)

  • Como Reprogramar Seu Cérebro Ansioso por Catherine M. Pittman e Elizabeth M. Karle — abordagem prática e baseada em neurociência para ansiedade, preocupação e componentes do pânico. (Amazon)

Conclusão

Angústia, pânico e desamparo nos empurram para bordas da experiência subjetiva. Eles são sofrimento bruto, sim, mas também pistas do que o sujeito vive de mais íntimo, do que foi ferido, do que foi silenciado. A clínica psicanalítica existe para acolher essa dor, articular o indizível, restaurar um elo interrompido. E a neuro-psicanálise nos lembra que mente e corpo são inseparáveis nesse processo. A tarefa é grande: permitir que o sujeito volte a habitar sua própria vida, com outros passados, outros símbolos, outras esperanças.

Biográficas

Sigmund Freud nasceu em 1856, neurologista austríaco, pai da psicanálise; articulou conceitos como angústia, trauma, desejo, inconsciente.
Jacques Lacan nasceu em 1901, psicanalista francês, revisitou Freud à luz da linguagem, do simbólico e do sujeito falante; sua teoria da angústia aprofunda o papel do impossível de simbolizar.
Sonia Leite é psicanalista brasileira, autora de Angústia (PAP - Psicanálise), atua em clínica, ensino e supervisão, com interesse em teoria da angústia, clínica contemporânea no Brasil.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Kierkegaard: O Filósofo da Angústia e da Liberdade

Jacques Lacan - Função e Campo da Fala e da Linguagem em Psicanálise (1953)

Atravessar o fantasma na psicanálise lacaniana: o encontro com a falta e a liberdade do desejo

Erik Erikson: Reflexões sobre Identidade, Vida e Psicanálise

Psicologia das Massas e Análise do Eu (1921), do psicanalista Freud: Você é real quando está na multidão?

A Interpretação dos Sonhos: quando o inconsciente revela sua poesia noturna

Trauma e Recuperação: Judith Lewis Herman e o mapa da cura interior