Tales de Mileto (624–546 a.C.): o primeiro filósofo ocidental e o mistério da água como princípio de todas as coisas
Introdução: quando o mito cede espaço ao pensamento filosófico
A história da filosofia começa em Mileto, uma pequena cidade da Jônia, no século VI antes de Cristo. É ali que surge um homem singular: Tales de Mileto, considerado o primeiro filósofo ocidental. Antes dele, os mitos e os deuses explicavam os fenômenos do mundo. Depois dele, nasceu a busca racional por princípios universais. Tales ousou perguntar: “Do que é feita a realidade?”. Sua resposta foi simples e, ao mesmo tempo, revolucionária: a água é o princípio de todas as coisas. Essa afirmação pode parecer ingênua hoje, mas foi o primeiro passo para libertar o pensamento humano das amarras do mito e abrir caminho para a ciência e a filosofia.
Quem foi Tales de Mileto?
Tales nasceu em 624 a.C. e morreu por volta de 546 a.C. É considerado um dos sete sábios da Grécia Antiga. Não era apenas filósofo, mas também astrônomo, matemático e engenheiro. Diz-se que previu um eclipse solar em 585 a.C., demonstrando que o cosmos podia ser compreendido por leis e cálculos, e não apenas pela vontade dos deuses. Sua vida já era um convite à razão: pensar o mundo sem precisar de narrativas míticas, mas por meio da observação e da investigação.
A água como princípio fundamental
Por que Tales escolheu a água como o princípio originário? Ele percebeu que a água estava em tudo: no mar, nos rios, na chuva, na umidade da terra, no sangue que corre no corpo humano, no vapor que sobe aos céus. A água é móvel, transforma-se em gelo, líquido e vapor. Sem ela, a vida não existe. Assim, Tales via nela o elemento vital e universal. Mais do que uma escolha científica, essa ideia reflete um olhar poético sobre a realidade: a vida flui como um rio, e tudo o que existe brota de uma mesma fonte.
Essa visão foi a semente do que mais tarde seria chamado de filosofia natural, que buscava entender os elementos constitutivos da realidade sem recorrer ao sobrenatural.
Tales de Mileto e a ruptura com o mito
Antes de Tales, a origem do mundo era contada por narrativas míticas como a Teogonia de Hesíodo, onde deuses e titãs explicavam a criação. Tales rompeu com isso. Sua pergunta não buscava quem criou o mundo, mas de quê o mundo é feito. Essa mudança sutil abriu a porta para a investigação racional e científica. Ele deslocou a explicação do divino para o natural, inaugurando o que chamamos de logos.
Esse movimento é essencial para compreendermos a própria história da razão ocidental: a coragem de colocar o humano diante do mistério do mundo sem precisar de intermediários divinos. Tales não matou os deuses, mas ousou pensar sem depender deles.
A influência de Tales na filosofia e na ciência
A importância de Tales não está apenas na resposta que deu, mas na pergunta que fez. Ele abriu o caminho para que outros pré-socráticos buscassem diferentes princípios: Anaximandro com o ápeiron (o infinito), Anaxímenes com o ar, Heráclito com o fogo, Parmênides com o ser. Tales, portanto, é a raiz de uma árvore que cresceu por toda a filosofia.
Além disso, sua visão científica inspirou o desenvolvimento da astronomia, da geometria e da física. Foi ele quem ensinou que a realidade pode ser investigada por leis e princípios que não dependem da arbitrariedade do mito. Em outras palavras, Tales deu o primeiro passo para que a ciência moderna pudesse nascer séculos depois.
Uma leitura filosófica, poética e psicanalítica da água
Se pensarmos com olhos psicanalíticos, a escolha da água também pode ser vista como metáfora da vida psíquica. A água simboliza o inconsciente, com suas profundezas insondáveis, correntes subterrâneas e movimentos imprevisíveis. Assim como no pensamento de Tales, a vida mental também é feita de fluxos, transformações e mistérios que escapam ao olhar imediato.
Do ponto de vista poético, a água é o útero do mundo, é aquilo que abraça, nutre e também destrói. É vida e é morte. O homem é feito de água, e sua história também flui como um rio. Tales, sem saber, lançou as bases de uma reflexão que atravessa tanto a filosofia quanto a psicanálise: o ser humano busca sempre a origem, a fonte, aquilo de onde veio.
Tales de Mileto e o convite à reflexão
Ao dizer que a água era a origem de tudo, Tales não nos ofereceu apenas uma teoria científica primitiva, mas um convite eterno: olhar para a realidade, buscar padrões, não aceitar respostas prontas. Sua atitude é o verdadeiro legado. Ele nos mostra que pensar é perguntar, e que perguntar é libertar-se das narrativas confortáveis.
Se a água foi para Tales o princípio de tudo, talvez para nós seja a interrogação o verdadeiro princípio da existência. Não vivemos para ter respostas definitivas, mas para mergulhar nas correntes do mistério que nos envolve.
Conclusão: o legado de Tales e o chamado à sabedoria
Tales de Mileto nos recorda que a filosofia não nasceu em bibliotecas ou laboratórios, mas diante do céu estrelado, dos rios que correm, da terra que respira. Ele nos lembra que o pensamento é uma viagem de retorno às origens.
A água, para Tales, era a essência de tudo. Para nós, leitores de hoje, talvez seja o símbolo de que a vida é fluidez, transformação, um movimento incessante. Assim como os rios nunca são os mesmos, também nós nunca somos os mesmos. O legado de Tales é, acima de tudo, a coragem de perguntar: qual é a origem daquilo que me constitui?
E você, leitor, já se perguntou qual é a sua água? O que corre dentro de você como princípio vital? Talvez a filosofia de Tales seja menos uma resposta e mais um espelho, convidando-nos a mergulhar naquilo que nos torna humanos: a sede insaciável de compreender o mundo e a nós mesmos.
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Referências Bibliográficas
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