Neurose obsessiva: quando o pensamento se torna prisão
Pensar demais pode parecer, à primeira vista, um sinal de inteligência ou de responsabilidade. Mas há casos em que o excesso de pensamento não é sinal de lucidez, e sim de sofrimento. Na clínica psicanalítica, esse modo de funcionar aparece com força na neurose obsessiva, uma das grandes estruturas clínicas descritas por Freud e aprofundadas por Lacan.
A neurose obsessiva é marcada por uma intensa atividade mental: o sujeito pensa compulsivamente, rumina ideias, revisita eventos passados, tenta prever o futuro, ensaia falas, arrepende-se de atos e se tortura com dúvidas. Em alguns casos, surgem também rituais e comportamentos repetitivos que servem para aliviar a angústia mas nem sempre de forma eficaz.
O obsessivo pensa para não agir. Pensa para não desejar. Seu pensamento é, muitas vezes, uma defesa contra a angústia que o desejo provoca. Freud observou que o obsessivo é tomado por uma culpa inconsciente: teme que seus pensamentos tenham poder real, como se pensar algo fosse quase o mesmo que cometer um ato condenável. Por isso, vive em conflito com o próprio desejo, que tenta controlar com a força da razão.
Lacan dirá que o obsessivo coloca o Outro a figura simbólica da Lei, do pai, da autoridade num lugar de saber absoluto, e se posiciona como aquele que obedece ou sabota essa autoridade, mas sempre orbitando em torno dela. Ele se serve da dúvida para nunca se comprometer, para manter o desejo suspenso. É o sujeito que diz: “não sei o que quero”, “não posso decidir”, “e se eu fizer e der errado?”.
No fundo, o obsessivo não quer perder nada nem o amor do Outro, nem o controle, nem o próprio sintoma. Ele adia, posterga, calcula. A vida se torna um campo minado de possibilidades catastróficas. E cada pensamento, por mais sofisticado que seja, acaba funcionando como um cárcere.
Contudo, na neurose obsessiva, o sofrimento é muito real. A angústia aparece em crises de ansiedade, insônia, distúrbios alimentares, tensão corporal, medos irracionais, dificuldade de se entregar a relações afetivas ou de tomar decisões simples. É um sujeito que vive encastelado na própria mente, mas que, em geral, tem um desejo intenso de viver ainda que não saiba como.
A psicanálise não tenta calar o pensamento obsessivo com técnicas de distração ou racionalização. Ao contrário: ela oferece um espaço de escuta, em que o sujeito pode pouco a pouco assumir seu desejo, escutar o que há por trás da culpa, reencontrar o corpo, o prazer, o laço com o outro. O que está em jogo não é “parar de pensar”, mas transformar a relação com o próprio pensamento.
A análise permite que o obsessivo saia da posição de escravo do seu sintoma e caminhe em direção a uma vida mais leve, onde o pensamento não seja uma prisão, mas uma via de abertura ao desejo, à ética e à criação de novos caminhos.
Referências básicas
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Freud, S. (1909). Notas sobre um caso de neurose obsessiva (“O homem dos ratos”). In: Histórias de uma neurose infantil e outros trabalhos. Imago.
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Freud, S. (1926). Inibição, sintoma e angústia. In: Obras completas. Imago.
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Lacan, J. (1956–1957). O Seminário, Livro 4: A relação de objeto. Zahar.
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Nasio, J.-D. (1991). O prazer de ler Freud: a neurose obsessiva. Zahar.
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