Contardo Calligaris - Cartas a um Jovem Terapeuta: o ofício da escuta, o tempo e o mistério do encontro
Você já imaginou uma conversa íntima, sem pressa, entre um mestre e um aprendiz, regada a café, onde o silêncio também fala e o tempo parece esticar? É essa atmosfera que Contardo Calligaris cria em Cartas a um Jovem Terapeuta, livro que vai muito além de um manual técnico. Aqui, a psicanálise aparece como um encontro humano, uma aventura de escuta e compreensão, em que o terapeuta se revela aprendiz de si mesmo e do outro. Neste artigo, convido você a mergulhar nessa obra sensível e provocativa, que não entrega fórmulas, mas oferece um convite à reflexão profunda sobre o fazer clínico e sobre o tempo que escorre nas entrelinhas da escuta.
A escrita como um diálogo sentado à mesa
Calligaris não fala para uma plateia distante. Ele escreve como quem olha nos olhos do aprendiz, com a cumplicidade de quem sabe que não existem respostas prontas, mas um caminho a ser trilhado com atenção e afeto. Esse estilo dialogal, quase poético, confere ao livro uma tonalidade única: não é um tratado, nem um guia rígido, é uma carta que atravessa o tempo e se dirige diretamente à sensibilidade do leitor. A metáfora do café na mesa reforça essa intimidade e a pausa necessária para o que não pode ser atropelado.
O tempo da terapia: entre pressa e paciência
Em uma sociedade que valoriza o imediato, Calligaris nos lembra que a terapia habita outro ritmo. O tempo na clínica não é o do relógio, mas o do movimento da fala, das resistências, dos silêncios. É tempo que se estende e se dobra, às vezes lento como um rio e, em outras ocasiões, abrupto como uma tempestade. Para ele, entender o tempo do paciente e do processo terapêutico é essencial para evitar que o terapeuta caia na armadilha da pressa ou da expectativa impositiva.
A escuta que não quer dominar
O autor alerta para o perigo do terapeuta que quer controlar a narrativa, preencher os vazios ou apressar conclusões. A verdadeira escuta é um ato de humildade, uma abertura para o desconhecido dentro do paciente e dentro de si mesmo. Calligaris sugere que o terapeuta deve estar pronto para se deixar surpreender, para acolher as contradições e até as agressividades sem tentar resolver tudo de imediato. Essa escuta é um espaço de respeito à complexidade humana e um convite para o inesperado.
O encontro como experiência transformadora
Mais do que técnicas, Calligaris destaca o encontro entre sujeitos o “eu” do terapeuta e o “eu” do paciente como o coração do processo terapêutico. Essa intersubjetividade é uma zona de possibilidades onde se joga o desejo, a resistência, o medo e a esperança. O terapeuta, longe de ser um sábio que detém verdades, é um parceiro que acompanha o paciente em sua busca, aprendendo a cada sessão.
Reflexão final: a prática da clínica como um artesanato do tempo e da presença
Cartas a um Jovem Terapeuta é um convite para desacelerar e reconhecer que o verdadeiro saber na clínica nasce da presença autêntica, da paciência e do compromisso com o outro. Calligaris não oferece receitas, mas um convite para que o terapeuta seja antes de tudo um aprendiz do humano. A prática clínica, então, se torna uma arte um artesanato delicado do tempo, da escuta e do encontro. E você, leitor, está disposto a se sentar à mesa, tomar um café e deixar que o tempo da terapia o transforme também?

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