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Mostrando postagens de julho 13, 2025

Série "8 em Istambul": Um Espelho da Alma Contemporânea

Série "8 em Istambul": Um Espelho da Alma Contemporânea Queridos leitores, hoje lhes trago não apenas a indicação de uma série, mas a partilha de uma travessia. “8 em Istambul” (título original  Bir Başkadır ) não é apenas um produto audiovisual da  Netflix , mas uma pulsação psíquica em forma de drama. Criada e dirigida por  Berkun Oya , estreou em  2020  e traz em seus  8 episódios  uma meditação profunda sobre o inconsciente coletivo de uma sociedade cindida entre tradição e modernidade. É turca em sua forma e humana em seu conteúdo. É Istambul, mas é também São Paulo, Cairo, ou qualquer outra metrópole onde o sagrado e o profano, o patriarcal e o libertário, a palavra e o silêncio, ainda duelam dentro de nós. Sobre o elenco A série conta com atuações profundamente expressivas e humanamente verossímeis.  Öykü Karayel  interpreta  Meryem , uma jovem faxineira que começa a desmaiar sem razão aparente. Seu irmão autoritário,  Yas...

Freud: neurose, psicose e perversão

Freud: neurose, psicose e perversão Freud não apenas decifrou os enigmas do inconsciente, ele os moldou em arquitetura. Como um arquiteto da alma, traçou as linhas mestras que sustentam as formas do sofrimento psíquico. Dentre as colunas centrais desse edifício interior, três se erguem com nitidez: a neurose, a psicose e a perversão. Não são doenças. São modos de estruturação da subjetividade, maneiras distintas de o sujeito se posicionar frente à castração, à lei, ao desejo e à alteridade. 1. A neurose: o drama do conflito A neurose é o palco onde se encena o drama do desejo recalcado. Aqui, o sujeito está dividido. Ele quer, mas não pode querer. O desejo, para o neurótico, é um abismo temido, uma ameaça à moral, à norma, ao amor do Outro. Por isso, ele recua. Mas o desejo não morre: ele retorna disfarçado, fantasiado, sintomatizado. O neurótico é um poeta do sintoma. Seu sofrimento se condensa em obsessões, fobias, sintomas histéricos. Na histeria, o corpo fala o que a boca não o...

A Chegada da Psicanálise ao Brasil: ecos de Freud sob o céu tropical

A Chegada da Psicanálise ao Brasil: ecos de Freud sob o céu tropical A psicanálise, nascida no coração da Europa oitocentista pelas mãos de Sigmund Freud, levou algum tempo para atravessar os mares e chegar à América do Sul. Mas quando finalmente aportou no Brasil, encontrou uma terra fértil, contraditória, mística e marcada por profundos dilemas sociais, emocionais e culturais. Era como se o inconsciente brasileiro já estivesse pronto para ser escutado. As primeiras menções a Freud no Brasil datam do início do século XX, mais especificamente por volta de 1910 a 1915. Porém, foi somente nas décadas de 1920 e 1930 que seu pensamento começou a ser traduzido, lido e debatido com mais força. No começo, Freud era lido quase clandestinamente, por médicos interessados em neurologia ou psiquiatria. Suas ideias pareciam estranhas, perigosas, até mesmo subversivas. Falar de sexualidade infantil, desejos inconscientes, sonhos e histeria num país católico, patriarcal e conservador era um desafio...

A Obra Clínica de Freud: o inconsciente como palco do desejo humano

A Obra Clínica de Freud: o inconsciente como palco do desejo humano A vida de Freud é inseparável de sua obra, pois ele próprio foi seu primeiro analisando, seu maior crítico e o mais inquieto explorador da alma. A partir da virada do século XX, após a publicação de A Interpretação dos Sonhos em 1900, Freud mergulhou definitivamente no território clínico, onde construiu os pilares do que viria a ser a psicanálise. Essa obra não foi apenas um novo olhar sobre o sonho, mas o nascimento de uma linguagem para o que até então era inaudível: o inconsciente. Para Freud, o sonho era a via régia para o inconsciente. Ele percebeu que os conteúdos oníricos, ainda que bizarros, confusos e aparentemente sem sentido, traziam em si desejos recalcados, geralmente originados na infância. O sonho não se apresenta de forma literal. Ele é um produto de deslocamentos, condensações, inversões e disfarces. O inconsciente, tal como Freud o revelou, é um teatro onde desejos infantis não realizados continuam...

Sigmund Freud: o menino que sonhava acordado com a alma humana

Sigmund Freud: o menino que sonhava acordado com a alma humana Na pequena cidade de Freiberg, na Morávia, hoje parte da República Tcheca, nasceu em 6 de maio de 1856 um menino judeu chamado Sigismund Schlomo Freud. O nome era longo demais, e com o tempo foi encurtado simplesmente para Sigmund Freud. Seu nascimento veio numa família modesta, marcada por tradições judaicas. O pai, Jakob Freud, era um comerciante de lã, e a mãe, Amalie, vinte anos mais jovem e sua terceira esposa, era uma mulher de forte presença emocional. Freud dizia que sua mãe o chamava de "meu Sigi de ouro", e esse afeto marcaria profundamente sua autoimagem e o seu destino. Sigmund foi o primeiro de oito filhos de Jakob e Amalie. Tinha meio-irmãos mais velhos do casamento anterior de seu pai, o que criava uma dinâmica familiar curiosa. Um desses irmãos, Emmanuel, teve um filho chamado John, sobrinho de Freud mas com idade semelhante à sua, que ele passou a ver quase como um irmão mais novo. Essa teia fam...

Jacques Lacan - O Discurso da Universidade: Quando o saber se põe a serviço do Mestre, nasce uma máquina de domesticar sujeitos

O Discurso da Universidade Quando o saber se põe a serviço do Mestre, nasce uma máquina de domesticar sujeitos. Jacques Lacan propõe quatro discursos: do Mestre, da Universidade, da Histeria e do Analista. Cada um expressa uma maneira de organizar as relações entre saber, poder, gozo e sujeito. São fórmulas lógicas, mas também metáforas vivas que descrevem a circulação dos lugares e posições psíquicas dentro do laço social. O Discurso da Universidade é a engrenagem onde o saber reina, mas com uma obediência oculta ao poder. Sua fórmula:   S₂ → a   S₁ ↓ $ Onde: S₂ : saber - conhecimento sistematizado, doutrinas, teorias, ciências. a : objeto pequeno a - o objeto causa do desejo, o resto do gozo. S₁ : significante-mestre - autoridade que institui o saber. $ : sujeito dividido - aquele que, no fundo, está em falta, mas é mantido alienado sob a ordem do saber. Neste discurso, o Saber fala . E sua fala parece neutra, objetiva, científica. Mas por trás do saber, há um M...

Jacques Lacan – Um diálogo para todos no ritmo da alma que deseja saber

TELEVISÃO Jacques Lacan – Um diálogo para todos, no ritmo da alma que deseja saber A cena se abre. Um homem fala. Outro responde. Mas não há simetria. O “Entrevistador” representa o público, a dúvida, o mundo moderno que busca compreender mas Lacan não facilita. Ele responde sem explicar. Corta, torce, elide. Está em cena, mas não para agradar. Está para provocar. “Por que ainda há psicanálise?” pergunta-se logo no início. Lacan responde sem piedade: porque o mal-estar persiste. Porque o sujeito ainda sofre. Sofre de ser falado pelo desejo do Outro, sofre por ter um corpo que goza sem permissão. E é disso que a psicanálise trata: daquilo que escapa ao sentido, do gozo que não se traduz, do furo que nenhuma ciência fecha. Aqui, Lacan já não se esforça para ser pedagógico. Ele assume a linguagem de sua época complexa, cortante, impregnada de lógica e topologia. Mas ao mesmo tempo, em Televisão , ele se despoja do tom catedrático e mostra a pulsação daquilo que o move. “O inconscient...

Jacques Lacan - O Tempo Lógico e a Asserção da Certeza Antecipada

O Tempo Lógico e a Asserção da Certeza Antecipada Lacan, neste ensaio de 1945, acende a tocha que ilumina as profundezas da subjetividade. Não é o tempo cronológico o que importa aqui, mas o tempo lógico. Um tempo interno, estruturado segundo a lógica do sujeito dividido. Um tempo que se forma entre o instante do olhar, o intervalo da dúvida e o salto da decisão. O texto se abre com uma fábula, quase zen: três prisioneiros, três círculos brancos ou pretos colocados nas costas, um único espelho e a promessa de liberdade àquele que, por dedução, afirmar sua própria marca. O problema é lógico, mas o desfecho é subjetivo. Não basta ver, é preciso deduzir. Não basta deduzir, é preciso se antecipar. O tempo lógico é esse salto de fé no real que o sujeito precisa dar. Lacan destrona o tempo cronológico, esvaziando-o. O tempo da psicanálise é o tempo da precipitação subjetiva. Ele nomeia três tempos fundamentais: o instante de ver, o tempo para compreender, o momento de concluir. Três tempos...

Jacques Lacan - A Instância da Letra no Inconsciente ou a Razão Desde Freud

A Instância da Letra no Inconsciente ou a Razão Desde Freud Aqui, Lacan afia sua lâmina e corta fundo na carne do discurso. O que antes era fala, agora se condensa em letra. Não mais apenas o significante fluido, mas a marca, a inscrição, o traço que fere. A letra é o osso duro da linguagem. É ela que estrutura o inconsciente como um texto que se escreve no corpo. Neste escrito, publicado nos Écrits em 1957, Lacan desenvolve a ideia de que o inconsciente se manifesta como uma escrita. A letra é mais do que signo. Ela é aquilo que representa a ausência do objeto. Não remete ao mundo, mas à falta. A letra faz corte. Divide. Organiza o simbólico em torno do real que não cessa de não se inscrever. Freud, ao dizer que os sonhos são linguagem e que os sintomas são textos a serem lidos, antecipava a operação da letra. Lacan a recolhe, intensifica e eleva a um novo plano. A letra é a materialidade mínima do significante. Ela estrutura o gozo. A letra é gozo fossilizado. É aí que se inscreve...