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A Teoria do Inconsciente em Psicanálise

A Teoria do Inconsciente em Psicanálise Etimologicamente, a palavra “inconsciente” vem do latim in- (não) + conscientia (conhecimento). Literalmente, algo que não é conhecido. Desde sua origem, ela carrega a tensão entre o saber e o oculto. Essa tensão ilumina o núcleo da psicanálise que é a existência de processos psíquicos que moldam nosso pensar, sentir e agir sem que tenhamos acesso direto. Na psicanálise de Freud, o inconsciente emerge como descoberta revolucionária, fundamental para entender a subjetividade. Freud observou, em pacientes histéricas e em fenômenos como atos falhos, sonhos, sintomas, que existiam conteúdos psíquicos ativos, recalcados, que exerciam pressão contínua sobre a consciência ( Ipa World ). Quando, na obra “O Inconsciente” (1915), ele defendeu que sem esse conceito seria impossível explicar vários fenômenos mentais, ele estava estabelecendo a metapsicologia do aparelho psíquico ( Ipa World ). A topografia freudiana divide a mente em inconsciente, pré‑...

A Chegada da Psicanálise ao Brasil: ecos de Freud sob o céu tropical

A Chegada da Psicanálise ao Brasil: ecos de Freud sob o céu tropical

A Chegada da Psicanálise ao Brasil: ecos de Freud sob o céu tropical

A psicanálise, nascida no coração da Europa oitocentista pelas mãos de Sigmund Freud, levou algum tempo para atravessar os mares e chegar à América do Sul. Mas quando finalmente aportou no Brasil, encontrou uma terra fértil, contraditória, mística e marcada por profundos dilemas sociais, emocionais e culturais. Era como se o inconsciente brasileiro já estivesse pronto para ser escutado.

As primeiras menções a Freud no Brasil datam do início do século XX, mais especificamente por volta de 1910 a 1915. Porém, foi somente nas décadas de 1920 e 1930 que seu pensamento começou a ser traduzido, lido e debatido com mais força. No começo, Freud era lido quase clandestinamente, por médicos interessados em neurologia ou psiquiatria. Suas ideias pareciam estranhas, perigosas, até mesmo subversivas. Falar de sexualidade infantil, desejos inconscientes, sonhos e histeria num país católico, patriarcal e conservador era um desafio que exigia coragem e paixão.

Um dos pioneiros da psicanálise no Brasil foi Durval Marcondes, médico paulista que fundou, em 1927, o primeiro centro brasileiro de psicanálise: o Instituto de Higiene da Faculdade de Medicina da USP. Em São Paulo, ele iniciou uma aproximação entre a psicanálise e a educação, criando o Serviço de Higiene Mental Escolar. Marcondes acreditava que a escuta psicanalítica podia ajudar a prevenir doenças mentais desde a infância. Sua proposta era aplicar as ideias freudianas no campo da saúde pública e da pedagogia. Foi também o responsável pela criação da SBPSP (Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo), oficialmente filiada à IPA (Associação Psicanalítica Internacional) em 1942.

Outro nome importante foi Julieta Calmon, no Rio de Janeiro. Ela teve contato direto com as ideias de Freud e com analistas europeus e foi uma das responsáveis por difundir o pensamento psicanalítico entre intelectuais cariocas. A capital federal era na época um centro vibrante de debates, e as ideias psicanalíticas circularam entre escritores, médicos e artistas.

Na década de 1950, com o avanço da Segunda Guerra Mundial e a perseguição nazista, muitos psicanalistas judeus europeus fugiram da Europa e vieram para o Brasil. Eles trouxeram na bagagem não apenas livros e saberes, mas uma sensibilidade clínica refinada e uma fidelidade profunda à obra de Freud. Um dos mais marcantes foi o austríaco Rudolf Loewenstein, que ficou por um tempo no Brasil antes de seguir para os Estados Unidos.

Durante esse período, a psicanálise se consolidou principalmente nas grandes cidades como São Paulo, Rio de Janeiro e Porto Alegre. Foram fundadas sociedades psicanalíticas, cursos de formação, grupos de estudo e revistas especializadas. A psicanálise começou a dialogar com outras áreas do saber: a literatura, a filosofia, a medicina, a antropologia. Pensadores como Sérgio Buarque de Holanda, Gilberto Freyre e Lygia Fagundes Telles beberam, de forma direta ou indireta, nas fontes freudianas.

Já nas décadas de 1960 e 1970, com o surgimento das ideias de Jacques Lacan na França, o Brasil passou por um novo movimento de renovação teórica. Lacan propunha um retorno a Freud pela via da linguagem, da estrutura, da topologia e do desejo. Sua obra chegou por meio de intelectuais como Doris Rabinovich, Nise da Silveira, José Arthur Gianotti, Octavio de Faria e, principalmente, Jacques-Alain Miller, que estabeleceu vínculos com escolas brasileiras.

Nesse momento, surgiram movimentos mais críticos às instituições tradicionais de formação. Em São Paulo nasceu a Escola Brasileira de Psicanálise, ligada à Associação Mundial de Psicanálise, inspirada diretamente pela leitura lacaniana. No Rio de Janeiro, a Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano também ganhou força. O campo se diversificou. A psicanálise deixou de ser apenas uma prática clínica silenciosa nos consultórios. Passou a dialogar com movimentos sociais, com a clínica da loucura, com a arte marginal e com as urgências políticas do país.

Destaca-se aqui o trabalho da psiquiatra e psicanalista Nise da Silveira, discípula rebelde de Carl Gustav Jung, que desenvolveu no Hospital Pedro II, no Rio de Janeiro, uma clínica humanizada com pacientes psicóticos. Seu trabalho com ateliês de pintura e escultura, como meio de expressão simbólica do inconsciente, tornou-se referência mundial. Mesmo sem ser freudiana ortodoxa, Nise incorporou o espírito da escuta analítica, respeitando o universo interno do sujeito além da loucura.

No campo literário, escritores como Clarice Lispector, João Guimarães Rosa e Caio Fernando Abreu fizeram da linguagem poética uma forma de falar do inconsciente. Em seus personagens e tramas, vemos a repetição, a pulsão, a angústia e o silêncio que Freud tão bem descreveu. A psicanálise, assim, tornou-se um espírito presente na cultura brasileira, mesmo onde não se nomeava.

Atualmente, o Brasil é um dos países com maior número de psicanalistas do mundo. Existem diversas linhas, escolas, tradições e disputas internas. Há os freudianos clássicos, os lacanianos, os kleinianos, os winnicottianos, os bionianos. A pluralidade é viva, fértil, complexa. Há analistas nas universidades, nos consultórios, nos hospitais, nas comunidades, nos CAPS e nos centros de escuta popular. A psicanálise se abriu também para questões de gênero, raça, classe e espiritualidade, sem perder o rigor da clínica nem o compromisso com o inconsciente.

O Brasil escuta Freud com o ouvido do corpo, do samba, da dor e da alegria. Aqui o divã pulsa junto com o tambor. O inconsciente tropical dança com o recalcado europeu. A psicanálise se reinventa na escuta das vozes brasileiras, entre becos, bibliotecas, orixás e poetas.

A palavra que cura atravessa as fronteiras. Freud vive no Brasil não como um dogma, mas como um convite à escuta, à reflexão e ao desejo de conhecer a verdade que habita cada um de nós.

Referências bibliográficas:

  • Rocha, Heloisa Caldas. A Psicanálise no Brasil: Uma História Social. Jorge Zahar Editor, 2004

  • Birman, Joel. Freud e a Cultura: Uma História do Inconsciente. Companhia das Letras, 1992

  • Roudinesco, Élisabeth. Jacques Lacan: Esboço de uma Vida, História de um Sistema de Pensamento. Zahar, 1998

  • Marcondes, Durval. Psicanálise e Higiene Mental. Edusp, 1940

  • Coda, Benedito Nunes. Psicanálise e Literatura no Brasil. UFPA, 1999

  • Bastide, Roger. O Sagrado Selvagem. Edusp, 1992

  • Silva, Nise da. Imagens do Inconsciente. Alhambra, 1981

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