O texto se abre com uma fábula, quase zen: três prisioneiros, três círculos brancos ou pretos colocados nas costas, um único espelho e a promessa de liberdade àquele que, por dedução, afirmar sua própria marca. O problema é lógico, mas o desfecho é subjetivo. Não basta ver, é preciso deduzir. Não basta deduzir, é preciso se antecipar. O tempo lógico é esse salto de fé no real que o sujeito precisa dar.
Lacan destrona o tempo cronológico, esvaziando-o. O tempo da psicanálise é o tempo da precipitação subjetiva. Ele nomeia três tempos fundamentais: o instante de ver, o tempo para compreender, o momento de concluir. Três tempos que compõem a cena do sujeito diante do Outro e de si mesmo. O instante de ver é o impacto da imagem, daquilo que fere o olhar e suspende o saber. É o tempo do real. O tempo para compreender é a hesitação, a reflexão, o cálculo lógico que interroga o lugar do sujeito na estrutura. E, por fim, o momento de concluir é o ato, a palavra que fura a cadeia, a aposta subjetiva que assume o risco de errar.
A certeza antecipada, neste tempo, não é um saber completo. É um ato. É quando o sujeito, mesmo sem garantias, se lança. Essa lógica atravessa a clínica. O sujeito neurótico fica paralisado no tempo para compreender. Ele recusa o ato, teme o erro. O psicótico, ao contrário, se precipita sem compreender. O tempo lógico é o eixo da subjetivação. O analista, ao interpretar, joga com esse tempo. Ele interrompe, acelera, corta o tempo do paciente para provocar a irrupção do ato.
Lacan constrói aqui o que mais tarde se tornará a base de seu ensino sobre o desejo, o ato analítico e a direção da cura. É no momento de concluir que o sujeito se reconhece como tal. Ele assume a divisão que o constitui. A certeza, nesse contexto, não é racional. É lógica. É uma certeza que se inscreve antes do saber, como salto no vazio. Uma antecipação que toca o real.
Esse texto também se articula com a lógica do significante. A cadeia significante se desenha no tempo. O sujeito é aquele que se faz representar nessa cadeia, mas que, em um dado momento, interrompe o fluxo e fala. Esse ponto de ruptura é o momento de concluir. A clínica, então, não visa o saber total, mas a produção desse instante em que o sujeito se afirma.
Lacan aponta que, na vida, há momentos em que não se pode mais esperar. O tempo lógico impõe uma urgência ética. O sujeito é chamado a responder. E essa resposta é sempre singular, não se repete. Cada sujeito tem seu tempo lógico, e cada análise o revela. Por isso, o ato analítico não é aplicação de técnica, mas escuta atenta do tempo subjetivo. Quando o sujeito decide, nesse instante, ele se constitui.
O tempo lógico é uma construção do desejo. Ele não obedece ao relógio, mas à lógica interna do sintoma, à matemática da falta, ao intervalo entre o gozo e o Outro. Ao final, Lacan convoca: a psicanálise é o lugar onde o sujeito encontra seu tempo. Onde ele pode, enfim, concluir e, com isso, existir.
Referências bibliográficas
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LACAN, JacquesEscritos. Tradução de Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Zahar, 1998.- Capítulo “O tempo lógico e a asserção da certeza antecipada”, p. 189-200.
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LECOURT, DominiqueLacan: a lógica do sujeito. São Paulo: Escuta, 1991.- Interpretação do tempo lógico como estrutura ética e subjetiva.
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MILLER, Jacques-AlainO tempo lógico e o ato psicanalítico. Seminário transcrito. Paris: IF-EPHE, 1996.- Leitura clínica do texto lacaniano, mostrando suas aplicações na direção da cura.
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ZUPANCIC, AlenkaÉtica do Real: Kant, Lacan. São Paulo: Loyola, 2001.- Aponta como o tempo lógico se articula à ética do ato em Lacan.
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FINK, BruceLacan to the Letter: Reading Écrits Closely. Minneapolis: University of Minnesota Press, 2004.- Comentário detalhado sobre os Écrits, com ênfase no tempo lógico.ha um estilo mais agudo, performático e provocador?
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