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A Teoria do Inconsciente em Psicanálise

A Teoria do Inconsciente em Psicanálise Etimologicamente, a palavra “inconsciente” vem do latim in- (não) + conscientia (conhecimento). Literalmente, algo que não é conhecido. Desde sua origem, ela carrega a tensão entre o saber e o oculto. Essa tensão ilumina o núcleo da psicanálise que é a existência de processos psíquicos que moldam nosso pensar, sentir e agir sem que tenhamos acesso direto. Na psicanálise de Freud, o inconsciente emerge como descoberta revolucionária, fundamental para entender a subjetividade. Freud observou, em pacientes histéricas e em fenômenos como atos falhos, sonhos, sintomas, que existiam conteúdos psíquicos ativos, recalcados, que exerciam pressão contínua sobre a consciência ( Ipa World ). Quando, na obra “O Inconsciente” (1915), ele defendeu que sem esse conceito seria impossível explicar vários fenômenos mentais, ele estava estabelecendo a metapsicologia do aparelho psíquico ( Ipa World ). A topografia freudiana divide a mente em inconsciente, pré‑...

Jacques Lacan - O Discurso da Universidade: Quando o saber se põe a serviço do Mestre, nasce uma máquina de domesticar sujeitos


O Discurso da Universidade

Quando o saber se põe a serviço do Mestre, nasce uma máquina de domesticar sujeitos.

Jacques Lacan propõe quatro discursos: do Mestre, da Universidade, da Histeria e do Analista. Cada um expressa uma maneira de organizar as relações entre saber, poder, gozo e sujeito. São fórmulas lógicas, mas também metáforas vivas que descrevem a circulação dos lugares e posições psíquicas dentro do laço social.

O Discurso da Universidade é a engrenagem onde o saber reina, mas com uma obediência oculta ao poder. Sua fórmula:

S₂ → a
S₁ ↓ $

Onde:

  • S₂: saber - conhecimento sistematizado, doutrinas, teorias, ciências.

  • a: objeto pequeno a - o objeto causa do desejo, o resto do gozo.

  • S₁: significante-mestre - autoridade que institui o saber.

  • $: sujeito dividido - aquele que, no fundo, está em falta, mas é mantido alienado sob a ordem do saber.

Neste discurso, o Saber fala. E sua fala parece neutra, objetiva, científica. Mas por trás do saber, há um Mestre oculto - um significante que dá o tom e impõe o que pode ou não ser reconhecido como verdadeiro.

O Discurso da Universidade é a alma da tecnocracia, da burocracia, da academia que se autorreferencia. Ele produz sujeitos formatados, que se pensam autônomos, mas são regulados por normas que não escolhem. A produção é o objeto a: fragmentos de gozo, efeitos de verdade que jamais se completam. O saber se multiplica, mas não emancipa - ao contrário, captura.

Lacan denuncia que este discurso reina nas instituições de ensino, nas formações profissionais, na ciência que se esquece do sujeito e no saber médico que transforma o paciente em um corpo sem fala. É a linguagem que fala sozinha, com vocabulário técnico e desumanizado, neutralizando o desejo e a angústia.

Mas, há algo de mais profundo: o sujeito dividido ($) ocupa aqui a posição de verdade. Ou seja, por trás da produção fria e controlada do saber, pulsa um sujeito em falta, alienado, sofrendo. A Universidade não reconhece esse sujeito - o esconde. E justamente por isso, o Discurso da Universidade é também o campo onde pode surgir a resistência, a histeria, ou até o analista.

Comparação com os demais discursos

  • No Discurso do Mestre, o poder domina o saber. No da Universidade, o saber comanda, mas a serviço do mestre.

  • No Discurso da Histeria, o sujeito demanda saber sobre sua divisão - é o discurso do analisante.

  • No Discurso do Analista, o objeto a comanda, provocando a fala do sujeito e colocando o saber em sua função subversiva.

Lacan e a crítica à academia

Lacan, ironicamente professor e frequentador dos espaços universitários, faz aqui uma crítica contundente: o saber que se repete sem escutar o sujeito não é emancipador, é opressor. Produz diplomas, papers, manuais - mas silencia o grito do inconsciente. Por isso, a psicanálise, enquanto discurso, não deve se confundir com a Universidade. Ela deve ocupar seu lugar de alteridade, de furo, de resto.

Em “A ciência e a verdade”, Lacan reforça: a ciência é um saber sem sujeito. A psicanálise, ao contrário, escuta o saber do sujeito, esse saber que não se sabe, que escapa à lógica formal, que pulsa no sintoma, no sonho, no lapso.

Referências bibliográficas

  1. LACAN, Jacques.
     - O Seminário, Livro 17: O avesso da psicanálise. Rio de Janeiro: Zahar, 1992.
      - Onde Lacan introduz os quatro discursos e desenvolve suas implicações clínicas e sociais.

  2. LACAN, Jacques.
     - A Ciência e a Verdade, in: Escritos. Rio de Janeiro: Zahar, 1998.
      - Texto que aprofunda a crítica de Lacan à ciência moderna e ao saber universitário.

  3. MILLER, Jacques-Alain.
     - Os quatro discursos e a formação do analista. In: Opção Lacaniana Online.
      - Comentário detalhado sobre os discursos e suas articulações.

  4. FINK, Bruce.
     - The Lacanian Subject. Princeton: Princeton University Press, 1995.
      - Uma introdução clara aos discursos e ao papel do sujeito dividido.

  5. ŽIŽEK, Slavoj.
     - Lacan: The Silent Partners. London: Verso, 2006.
      - Aplica os discursos de Lacan à cultura contemporânea.

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