TELEVISÃO
Jacques Lacan – Um diálogo para todos, no ritmo da alma que deseja saber
A cena se abre. Um homem fala. Outro responde. Mas não há simetria. O “Entrevistador” representa o público, a dúvida, o mundo moderno que busca compreender mas Lacan não facilita. Ele responde sem explicar. Corta, torce, elide. Está em cena, mas não para agradar. Está para provocar.
“Por que ainda há psicanálise?” pergunta-se logo no início. Lacan responde sem piedade: porque o mal-estar persiste. Porque o sujeito ainda sofre. Sofre de ser falado pelo desejo do Outro, sofre por ter um corpo que goza sem permissão. E é disso que a psicanálise trata: daquilo que escapa ao sentido, do gozo que não se traduz, do furo que nenhuma ciência fecha.
Aqui, Lacan já não se esforça para ser pedagógico. Ele assume a linguagem de sua época complexa, cortante, impregnada de lógica e topologia. Mas ao mesmo tempo, em Televisão, ele se despoja do tom catedrático e mostra a pulsação daquilo que o move. “O inconsciente é estruturado como uma linguagem”, diz ele de novo, mas agora aponta: é uma linguagem falada por um Outro que não se sabe. Um discurso sem sujeito. E é nesse discurso que o sujeito aparece não como presença, mas como falta.
Ele fala do analista, esse estranho que se cala para deixar o Outro falar. Que se ausenta para que o sujeito se encontre. Mas que também, no ato de escuta, coloca-se como objeto objeto a. O analista não interpreta no estilo tradicional. Ele corta, pontua, marca o Real. Ele cria a condição de emergência do sujeito.
Lacan reafirma que o inconsciente não é o lugar de verdades recalcadas apenas é o campo da verdade que se diz meio por acaso. Um saber que não se sabe, que surge no tropeço, no lapso, no sonho. E a análise é a travessia desse saber em direção ao impossível o impossível de dizer o real do gozo.
Falando à televisão, Lacan denuncia o discurso da Universidade um dos quatro discursos que ele formalizou. Esse discurso busca o saber, mas em nome do mestre. Produz objetos, doutrina, saber-poder. A psicanálise, em contraste, é o discurso do analista: aquele que se sustenta na falta, que subverte a ordem do saber estabelecido.
No centro de tudo está o gozo jouissance. Lacan o apresenta como o ponto opaco, o que a linguagem não domestica. O gozo é o que ultrapassa o prazer, o que transborda, o que faz sofrer. E é aí que o sujeito se encontra: nesse limite entre o que goza e o que pode ser dito.
No final, Lacan joga a bomba: “A psicanálise é irreversível.” Uma vez que o sujeito reconhece o inconsciente, não há retorno. O saber do desejo transforma. Não se trata de cura, mas de travessia. O analista não é um educador. Ele é um deseducador do eu. E a televisão, aqui, é apenas um espelho um novo tipo de espelho onde a imagem retorna com excesso.
A entrevista termina, mas não se encerra. Fica aberta como o próprio inconsciente: cheia de desvios, cortes, entrelinhas. Lacan não quer ser entendido. Ele quer ser lido, escutado, atravessado.
Referências bibliográficas confiáveis
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LACAN, Jacques.Televisão: Uma Nova Comunicação. Trad. Cláudia Berliner. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1993.- Obra original em forma de entrevista escrita, dirigida ao grande público com supervisão técnica.
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MILLER, Jacques-Alain.Lecciones sobre Televisión. Buenos Aires: Paidós, 2000.- Comentários detalhados sobre os principais conceitos abordados por Lacan.
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FINK, Bruce.The Lacanian Subject. Princeton: Princeton University Press, 1995.- Capítulos que decifram o discurso do analista, o objeto a, e a estrutura do gozo.
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ŽIŽEK, Slavoj.Looking Awry: An Introduction to Jacques Lacan through Popular Culture. MIT Press, 1992.- Reflexões que ligam Lacan à mídia e à cultura televisiva.
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NASIO, Juan-David.Cinco lições sobre a Teoria de Jacques Lacan. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1992.- Apresenta a lógica do discurso lacaniano de forma introdutória e clara.
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