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A Teoria do Inconsciente em Psicanálise

A Teoria do Inconsciente em Psicanálise Etimologicamente, a palavra “inconsciente” vem do latim in- (não) + conscientia (conhecimento). Literalmente, algo que não é conhecido. Desde sua origem, ela carrega a tensão entre o saber e o oculto. Essa tensão ilumina o núcleo da psicanálise que é a existência de processos psíquicos que moldam nosso pensar, sentir e agir sem que tenhamos acesso direto. Na psicanálise de Freud, o inconsciente emerge como descoberta revolucionária, fundamental para entender a subjetividade. Freud observou, em pacientes histéricas e em fenômenos como atos falhos, sonhos, sintomas, que existiam conteúdos psíquicos ativos, recalcados, que exerciam pressão contínua sobre a consciência ( Ipa World ). Quando, na obra “O Inconsciente” (1915), ele defendeu que sem esse conceito seria impossível explicar vários fenômenos mentais, ele estava estabelecendo a metapsicologia do aparelho psíquico ( Ipa World ). A topografia freudiana divide a mente em inconsciente, pré‑...

Freud: neurose, psicose e perversão

Freud: neurose, psicose e perversão

Freud: neurose, psicose e perversão

Freud não apenas decifrou os enigmas do inconsciente, ele os moldou em arquitetura. Como um arquiteto da alma, traçou as linhas mestras que sustentam as formas do sofrimento psíquico. Dentre as colunas centrais desse edifício interior, três se erguem com nitidez: a neurose, a psicose e a perversão. Não são doenças. São modos de estruturação da subjetividade, maneiras distintas de o sujeito se posicionar frente à castração, à lei, ao desejo e à alteridade.

1. A neurose: o drama do conflito

A neurose é o palco onde se encena o drama do desejo recalcado. Aqui, o sujeito está dividido. Ele quer, mas não pode querer. O desejo, para o neurótico, é um abismo temido, uma ameaça à moral, à norma, ao amor do Outro. Por isso, ele recua. Mas o desejo não morre: ele retorna disfarçado, fantasiado, sintomatizado.

O neurótico é um poeta do sintoma. Seu sofrimento se condensa em obsessões, fobias, sintomas histéricos. Na histeria, o corpo fala o que a boca não ousa dizer. Na neurose obsessiva, a mente se acorrenta ao ritual, à dúvida, ao pensamento repetitivo. Há culpa sem crime, castigo sem falta, angústia sem objeto.

No fundo, o neurótico vive no reino do recalque. Ele conhece a lei, a reconhece, mas a vive como um fardo. Deseja, mas se sente culpado por desejar. Está em constante conflito entre o que quer e o que deve.

2. A psicose: o desfalecimento do simbólico

Na psicose, a cena muda. Aqui não há conflito com a lei, mas foraclusão. O termo cunhado por Lacan para explicar o que Freud descreveu: a psicose é aquilo que ocorre quando o significante Nome-do-Pai não é inscrito no campo simbólico do sujeito. O que deveria dar sustentação à realidade, à linguagem e ao laço com o Outro, simplesmente não está lá. Foi excluído.

O resultado é um colapso da simbolização. A realidade torna-se porosa, frágil, invadida por vozes, visões, interpretações delirantes. O psicótico não recalca o desejo. Ele não o reconhece como tal. O delírio é uma tentativa de costurar aquilo que a linguagem não conseguiu tecer. É uma reconstrução singular do mundo, uma metáfora desesperada, uma defesa contra a invasão do real.

Na esquizofrenia, há fragmentação. O eu não se reconhece. O pensamento se rompe em ecos, neologismos, silêncios. Na paranoia, há organização. O Outro é percebido como perseguidor, ameaçador, centro de uma trama. Mas mesmo nesse sofrimento, há poesia. O psicótico é um construtor de mundos, um profeta às avessas.

3. A perversão: o desvio como estrutura

Na perversão, o sujeito se coloca como instrumento do desejo do Outro. Ele não recalca como o neurótico, nem foraclude como o psicótico. Ele sabe da castração, mas a nega. Faz dela um jogo, uma cena. O perverso goza com a lei, não contra ela. Seu prazer está em encenar o limite, transgredi-lo, afirmá-lo para negá-lo.

O fetichista, por exemplo, substitui o falo ausente por um objeto que representa aquilo que ele não aceita perder. O sadista não apenas quer fazer sofrer. Ele quer fazer sofrer em nome do Outro, como se fosse porta-voz de uma autoridade. O masoquista, por sua vez, se oferece ao castigo, mas dirige a cena. É ele quem comanda o espetáculo da dor.

A perversão é uma estrutura em que o sujeito se recusa a se submeter ao corte simbólico. Em vez de aceitar a falta, ele tenta preenchê-la com um objeto, uma cena, uma prática. O Outro não é ausente, mas manipulado. O desejo, em vez de recalcado, é encenado.

Considerações finais: três modos de ser no mundo

Freud nos deu as ferramentas para escutar essas estruturas não como falhas ou anomalias, mas como maneiras de habitar o desejo. A neurose dramatiza o desejo e a culpa. A psicose tenta refazer o mundo onde o desejo não encontrou chão. A perversão escapa da falta com uma cena cuidadosamente dirigida.

Nenhuma dessas formas é melhor ou pior. São tentativas de existir, de se articular com o desejo, com o amor, com o Outro. A escuta psicanalítica não pretende curar a estrutura, mas acolher sua lógica, decifrar sua poesia, respeitar sua verdade.

É no espaço da análise que essas vozes podem, enfim, encontrar eco. Não se trata de apagar sintomas, mas de dar-lhes sentido. De transformar o sofrimento em linguagem, e a linguagem em um novo modo de viver com o desejo.

Referências bibliográficas:

  • Freud, S. (1915). Neurose e Psicose. In: Obras completas, vol. XIV. Imago.

  • Freud, S. (1905). Três ensaios sobre a teoria da sexualidade. Imago.

  • Lacan, J. (1955-56). O Seminário, Livro 3: As Psicoses. Zahar.

  • Lacan, J. (1957-58). O Seminário, Livro 5: As Formações do Inconsciente. Zahar.

  • Lacan, J. (1958). A significação do falo. In: Escritos. Zahar.

  • Quinet, A. (1991). O Inconsciente e a Voz do Ser. Jorge Zahar Editor.

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