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A Teoria do Inconsciente em Psicanálise

A Teoria do Inconsciente em Psicanálise Etimologicamente, a palavra “inconsciente” vem do latim in- (não) + conscientia (conhecimento). Literalmente, algo que não é conhecido. Desde sua origem, ela carrega a tensão entre o saber e o oculto. Essa tensão ilumina o núcleo da psicanálise que é a existência de processos psíquicos que moldam nosso pensar, sentir e agir sem que tenhamos acesso direto. Na psicanálise de Freud, o inconsciente emerge como descoberta revolucionária, fundamental para entender a subjetividade. Freud observou, em pacientes histéricas e em fenômenos como atos falhos, sonhos, sintomas, que existiam conteúdos psíquicos ativos, recalcados, que exerciam pressão contínua sobre a consciência ( Ipa World ). Quando, na obra “O Inconsciente” (1915), ele defendeu que sem esse conceito seria impossível explicar vários fenômenos mentais, ele estava estabelecendo a metapsicologia do aparelho psíquico ( Ipa World ). A topografia freudiana divide a mente em inconsciente, pré‑...

Sigmund Freud: o menino que sonhava acordado com a alma humana

Imagem de Sigmund Freud no blog do Ruy de Oliveira

Sigmund Freud: o menino que sonhava acordado com a alma humana

Na pequena cidade de Freiberg, na Morávia, hoje parte da República Tcheca, nasceu em 6 de maio de 1856 um menino judeu chamado Sigismund Schlomo Freud. O nome era longo demais, e com o tempo foi encurtado simplesmente para Sigmund Freud. Seu nascimento veio numa família modesta, marcada por tradições judaicas. O pai, Jakob Freud, era um comerciante de lã, e a mãe, Amalie, vinte anos mais jovem e sua terceira esposa, era uma mulher de forte presença emocional. Freud dizia que sua mãe o chamava de "meu Sigi de ouro", e esse afeto marcaria profundamente sua autoimagem e o seu destino.

Sigmund foi o primeiro de oito filhos de Jakob e Amalie. Tinha meio-irmãos mais velhos do casamento anterior de seu pai, o que criava uma dinâmica familiar curiosa. Um desses irmãos, Emmanuel, teve um filho chamado John, sobrinho de Freud mas com idade semelhante à sua, que ele passou a ver quase como um irmão mais novo. Essa teia familiar complexa, com figuras duplas e afetos entrelaçados, seria o solo fértil onde germinariam suas primeiras reflexões sobre os vínculos e os conflitos inconscientes.

Logo a família se mudou para Viena, quando Freud tinha cerca de quatro anos, buscando melhores condições de vida. Viena era uma cidade vibrante, cheia de ideias, ciência, arte e contradições. Ele cresceu cercado por livros e silêncio. Freud sempre teve uma predileção pelos estudos. Era um aluno brilhante. Tanto que sua família decidiu que ele teria um quarto só para si, mesmo com a casa pequena e cheia de irmãos. A luz da vela era reservada a ele por mais tempo. O silêncio ao redor era cultivado para que seu pensamento germinasse livre.

Desde cedo Freud demonstrava um fascínio pelas palavras, pelos enigmas da mente e pelos mistérios da natureza. Apaixonou-se por línguas antigas, leu Shakespeare e Goethe, e se encantou pela filosofia de Schopenhauer. Na juventude desejava ser advogado, mas aos poucos foi se aproximando das ciências naturais. Seu amor pela verdade o levava não ao direito, mas à anatomia da alma humana.

Aos dezessete anos ingressou na Universidade de Viena, em 1873, para estudar medicina. Mas Freud não queria ser um médico comum. O bisturi não o seduzia tanto quanto o microscópio e as regiões ocultas do corpo e da mente. Lá encontrou um grande mentor: Ernst Brücke, um fisiologista materialista que acreditava que todos os fenômenos da vida podiam ser explicados pelas leis da física e da química. Freud mergulhou na pesquisa biológica, estudando o sistema nervoso de peixes e moluscos. Seu primeiro grande trabalho foi sobre os gânglios nervosos da lampreia, um peixe primitivo.

Durante seus anos de estudo Freud também conheceu figuras importantes que se tornariam amigos e influenciadores. Entre eles, Josef Breuer, que mais tarde seria coautor do célebre caso de Anna O. e cofundador da psicanálise. Também foi amigo de Wilhelm Fliess, um médico otorrinolaringologista berlinense com quem manteve uma longa e intensa correspondência. Apesar das ideias estranhas de Fliess, como a crença de que o nariz estava diretamente ligado aos órgãos sexuais, Freud encontrava nele um ouvido acolhedor para suas teorias emergentes.

Outro encontro decisivo foi com Jean-Martin Charcot, neurologista francês famoso por seus estudos sobre a histeria. Freud viajou a Paris em 1885 para estudar com ele. Lá testemunhou os efeitos da hipnose em pacientes histéricos e ficou profundamente impressionado. Esse contato com o sofrimento psíquico e com a possibilidade de tratá-lo pela palavra abriu novas possibilidades em sua mente.

Ao retornar a Viena, Freud começou a aplicar as técnicas de hipnose em seu consultório, mas logo percebeu suas limitações. A hipnose dependia demais da sugestibilidade do paciente e não permitia um acesso estável ao que ele começava a intuir como sendo o inconsciente. Foi então que, em parceria com Breuer, desenvolveu o método catártico, onde o paciente era levado a reviver traumas antigos para libertar emoções reprimidas.

Essa parceria deu origem à obra "Estudos sobre a histeria", publicada em 1895, que marca o nascimento simbólico da psicanálise. A partir daí Freud seguiria um caminho cada vez mais solitário e original. Abandonou a hipnose e passou a desenvolver a técnica da associação livre, onde o paciente era convidado a falar tudo o que lhe viesse à mente, sem censura. Essa escuta atenta e sem julgamento era a chave para penetrar no inconsciente.

Freud também foi um pai de família. Casou-se com Martha Bernays, com quem teve seis filhos. A filha mais nova, Anna Freud, seguiu seus passos e se tornaria uma grande psicanalista. No entanto, a vida doméstica de Freud era marcada por um rigor quase monástico. Dedicava a maior parte do seu tempo aos escritos, às análises e aos estudos. Tinha um gosto pelo ritual: fumava charutos, gostava de passear, colecionava estátuas arqueológicas e tinha uma fixação pela antiguidade, reflexo talvez do modo como via a psicanálise, como uma escavação na alma humana, como o arqueólogo que desenterra ruínas esquecidas.

A publicação de "A Interpretação dos Sonhos", em 1900, foi um marco. Freud propôs que os sonhos eram realizações disfarçadas de desejos reprimidos. Ali ele introduz o conceito de inconsciente como uma instância psíquica que age fora da consciência e determina muito de nossos pensamentos e comportamentos.

Apesar da revolução que promovia, Freud enfrentou muita resistência. Era atacado pela comunidade médica, criticado por amigos e ridicularizado pela academia. Mas não recuava. Fundou um círculo de estudos em Viena com outros pensadores, entre eles Carl Gustav Jung, que por um tempo foi seu herdeiro simbólico. Contudo, diferenças teóricas e pessoais separaram os dois.

Freud seguiu aprofundando seus estudos, desenvolvendo os conceitos de pulsão, complexo de Édipo, mecanismos de defesa, recalque, transferência, entre tantos outros. Suas obras se multiplicaram e atravessaram fronteiras. Mesmo doente, acometido por um câncer na mandíbula causado pelo cigarro, continuou escrevendo e atendendo.

Nos anos 1930, com a ascensão do nazismo, Freud viu sua amada Viena tornar-se perigosa. Sendo judeu, teve que fugir com sua família para Londres, onde morreu em 23 de setembro de 1939. Antes de partir, disse à sua filha Anna: “Afinal, a guerra foi vencida pela civilização”. Freud sabia que não venceria todas as batalhas, mas havia deixado um legado.

Hoje seu nome é sinônimo de mergulho na alma. Ele nos ensinou que há desejos recalcados sob nossas atitudes, que o passado vive em nós como um sonho não decifrado, que a escuta cura, que o amor e o ódio caminham juntos, e que somos feitos de conflitos e palavras.

Sigmund Freud foi mais do que um médico. Foi o poeta do inconsciente. O arqueólogo da alma. O homem que ousou perguntar à dor o que ela queria dizer.

Referências bibliográficas:

  • Freud, S. A Interpretação dos Sonhos. Imago, 1900.

  • Jones, Ernest. Vida e Obra de Sigmund Freud. Imago, 1953.

  • Gay, Peter. Freud: Uma Vida para o Nosso Tempo. Companhia das Letras, 2006.

  • Roazen, Paul. Encontros com Freud. Zahar, 1993.

  • Ellenberger, Henri F. O Descobrimento do Inconsciente. Zahar, 1970.

  • Sulloway, Frank. Freud, o Biologista da Mente. Editora Fiocruz, 1994.

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