Mark Solms
Em português do Brasil, o nome Mark Solms costuma ser pronunciado assim:
Mark → “Márk” (com o “r” bem marcado, como em marca).
Solms → “Solms” (pronuncia-se como está escrito, com o “l” e o “m” soando, e o “s” final como “ss”).
Fica algo como: “Márk Sólms”.
Mark Solms é uma dessas figuras que me faz pensar que a psicanálise nunca deixou de dialogar com a ciência, ainda que muitos tenham tentado confiná-la a um campo apenas interpretativo. Nascido em 1961, na África do Sul, Solms cresceu em meio a um contexto político e social marcado pelo apartheid, um cenário que certamente lhe deu o olhar crítico e inquieto que atravessa sua obra. Neuropsicólogo e psicanalista, ele ousou trilhar um caminho considerado improvável: unir a psicanálise freudiana com as descobertas da neurociência, fundando o campo que hoje chamamos de neuropsicanálise.
Freud sempre insistiu que a psicanálise deveria ser considerada uma ciência do inconsciente, e em A Interpretação dos Sonhos deixou claro que seus achados estavam ainda por ser confirmados ou confrontados pela biologia do futuro. Solms assume esse legado, mostrando que o inconsciente não é apenas resultado da repressão, mas também consequência do funcionamento do próprio cérebro. Ele afirma que há muito do inconsciente que simplesmente nunca chega à consciência porque o cérebro opera de forma seletiva, guardando na escuridão neural uma infinidade de processos afetivos e cognitivos.
O que mais me chama atenção em Solms é sua abordagem sobre os sonhos. Durante décadas, acreditou-se que sonhar era função do sono REM, como se fosse um subproduto de mecanismos automáticos. Solms demonstrou, através de pesquisas clínicas e neurológicas, que o sonho é uma experiência ligada profundamente ao desejo, ao afeto e às regiões cerebrais responsáveis pela motivação e emoção. Freud já havia escrito que o sonho é “a via régia para o inconsciente”, e Solms reforça essa visão mostrando que não se trata apenas de narrativa simbólica, mas de atividade enraizada na biologia da mente.
Filosoficamente, a obra de Solms dialoga com Kant, que dizia que só conhecemos o mundo a partir das condições de nossa percepção. Mas Solms amplia essa ideia ao mostrar que não apenas percebemos o mundo sob filtros, como também desejamos e sofremos a partir de circuitos cerebrais que moldam nossas vivências. Lacan afirmava que “o inconsciente é estruturado como uma linguagem”; Solms acrescenta, em certo sentido, que essa linguagem está inscrita também no cérebro.
Gosto de pensar na poesia de Fernando Pessoa, quando escreve: “Sou do tamanho do que vejo e não do tamanho da minha altura”. Em Solms, essa frase ganha corpo: somos maiores que nossa consciência, e a neuropsicanálise é a tentativa de nomear esse excesso. Ao unir Freud à neurociência, ele dá contorno a um território híbrido, onde o simbólico e o biológico se encontram sem que um precise anular o outro.
Minha provocação é direta: ao trazer o inconsciente para dentro do cérebro, não corremos o risco de reduzi-lo a descargas elétricas? Essa é a crítica comum. Mas talvez Solms nos provoque justamente ao contrário: a reconhecer que a psicanálise não precisa temer a ciência, assim como a ciência não deve menosprezar a psicanálise. Entre neurônios e metáforas, entre afetos e sinapses, talvez esteja o futuro de nossa compreensão sobre o humano. E cabe a nós, psicanalistas, filósofos ou leigos, não fugir desse diálogo, mas aceitá-lo como um convite para pensar a complexidade de ser.
Referências bibliográficas
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Freud, S. A Interpretação dos Sonhos. Obras Completas. Companhia das Letras, 2019.
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Lacan, J. Escritos. Zahar, 1998.
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Solms, M. The Hidden Spring: A Journey to the Source of Consciousness. W.W. Norton & Company, 2021.
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Solms, M., & Turnbull, O. The Brain and the Inner World: An Introduction to the Neuroscience of Subjective Experience. Other Press, 2002.
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Kant, I. Crítica da Razão Pura. Vários tradutores.
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Pessoa, F. Livro do Desassossego.

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