Acolhimento na sessão de análise

Acolhimento na sessão de análise
O que é acolher numa sessão de análise

A palavra acolher soa simples, mas na psicanálise ela carrega uma densidade ética e clínica que ultrapassa o sentido de consolar, orientar ou dar respostas prontas. O acolhimento em análise é mais do que uma postura gentil. É um ato radical: sustentar o silêncio quando o silêncio é necessário, legitimar a palavra do paciente mesmo quando ela parece caótica, oferecer um espaço onde a fala possa nascer sem a pressa de ser corrigida.

O Acolhimento como Fundamento Analítico

Freud, em seus primeiros atendimentos, já havia percebido que o sofrimento humano não se resolve com conselhos. O que transforma é a possibilidade de dizer o indizível, de dar voz ao inconsciente. O analista acolhe ao se dispor a escutar além do que o paciente conta, ao ouvir também os lapsos, os silêncios, os sintomas. Acolher, portanto, é reconhecer que cada fragmento da fala carrega um sentido oculto.

Lacan acrescentou que o analista não ocupa o lugar do mestre que ensina, mas do vazio que escuta. O acolhimento se dá justamente por esse não saber, que devolve ao paciente a chance de se encontrar com o que nele insiste e retorna.

Acolhimento e Neuropsicanálise

Com os avanços da neurociência, sabemos que o acolhimento também tem efeitos biológicos. Quando alguém é escutado sem julgamento, sua amígdala cerebral, responsável por respostas de medo e ansiedade, reduz a atividade. Isso cria condições para que memórias e afetos reprimidos se manifestem.

A neuropsicanálise, criada no final do século XX por Mark Solms e Jaak Panksepp, uniu psicanálise e neurociências, mostrando que o acolhimento não é apenas simbólico, mas também neurológico. O DSM-5, publicado em 2013 pela American Psychiatric Association, ampliou a categoria dos transtornos neurocognitivos, reconhecendo a interação entre o psíquico e o cerebral. Psiquiatras, neurologistas e psicanalistas participaram dessa construção, estabelecendo um terreno fértil para pensar a escuta analítica como um espaço onde o cérebro e o inconsciente se encontram.

Acolher não é Consolar

Aqui cabe uma provocação. Muitos confundem acolher com confortar. Mas o psicanalista não está ali para suavizar a dor com frases prontas ou para anestesiar o sofrimento. Acolher é dar dignidade ao sintoma, não eliminá-lo de imediato. É tratar o sofrimento como mensagem, não como ruído. É estar disposto a ouvir inclusive aquilo que incomoda, aquilo que o próprio paciente gostaria de calar.

O Tempo do Sujeito

Acolher em análise é respeitar o tempo do inconsciente. Não se trata de apressar uma interpretação, mas de sustentar o espaço para que o sujeito se ouça em sua própria fala. Muitas vezes, a transformação começa justamente no instante em que alguém se sente escutado de verdade, sem pressa, sem julgamento e sem manual de respostas.

Livros Recomendados

Para quem deseja se aprofundar no tema do acolhimento e da escuta psicanalítica, recomendo três livros disponíveis em português:

  1. A Arte da Psicanálise: Sonho, Transferência e Escrita – Maria Rita Kehl.

  2. O Cérebro e o Mundo Interno: Introdução à Neuropsicanálise – Mark Solms e Oliver Turnbull.

  3. A Clínica do Acolhimento: Psicanálise e Saúde Mental – Manoel Tosta Berlinck.

Conclusão

Acolher numa sessão de análise é mais do que abrir a porta de um consultório. É abrir um espaço simbólico onde o sujeito pode existir em sua verdade, mesmo que fragmentada e contraditória. É sustentar o silêncio, escutar o que não se diz e permitir que o inconsciente se manifeste. É reconhecer que acolher não é curar, mas é o início de toda cura possível.

Referências Bibliográficas

  • Freud, S. Introdução à Psicanálise. Porto Alegre: L&PM, várias edições.

  • Lacan, J. Escritos. Rio de Janeiro: Zahar, 1998.

  • Kehl, M. R. A Arte da Psicanálise: Sonho, Transferência e Escrita. São Paulo: Boitempo, 2009.

  • Solms, M.; Turnbull, O. O Cérebro e o Mundo Interno: Introdução à Neuropsicanálise. Rio de Janeiro: Imago, 2004.

  • Berlinck, M. T. A Clínica do Acolhimento: Psicanálise e Saúde Mental. São Paulo: Escuta, 2016.

  • American Psychiatric Association. DSM-5 – Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais. Porto Alegre: Artmed, 2014.

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