O Grande Mestre: aquele que desperta o sujeito
Em tempos marcados pela velocidade da informação, pela pressa em responder antes mesmo de escutar, pela ilusão de que tudo pode ser aprendido por tutoriais e fórmulas rápidas, falar do "grande mestre" é quase um ato subversivo. Não se trata de exaltar alguém que detém respostas prontas ou que ocupa um lugar de autoridade indiscutível. O grande mestre não é aquele que ensina o que pensar, mas aquele que nos convoca a pensar. Ele não transmite apenas conhecimento: ele encarna uma presença que desacomoda, que fere suavemente, que instala a dúvida e, com ela, o desejo de saber.
Na psicanálise, o mestre não é uma função estática, mas uma posição simbólica que pode ser ocupada, em certos momentos, por aqueles que despertam no outro a busca por sua verdade. Freud foi, sem dúvida, um grande mestre não porque tenha explicado tudo, mas porque abriu as perguntas certas. Ele se recusou a oferecer o alívio de respostas fáceis e, em vez disso, nos ofereceu o inconsciente: essa instância que habita cada um de nós, mas que nunca pode ser plenamente domesticada. O mestre freudiano não guia como um pastor, mas como um arqueólogo: convida o sujeito a escavar as camadas esquecidas da sua própria história.
Jacques Lacan, ao retomar a obra de Freud, nos oferece uma leitura singular da figura do mestre. Em seu célebre "Seminário 17", ele apresenta o chamado "Discurso do Mestre", estrutura discursiva que organiza uma forma específica de laço social. Neste discurso, o mestre aparece como aquele que comanda, que organiza o saber, mas cuja verdade permanece escondida. É interessante notar que, para Lacan, o verdadeiro mestre é aquele que, ao invés de reforçar sua autoridade, a coloca em questão. O grande mestre é aquele que sabe que não sabe e que, justamente por isso, se abre ao saber do outro.
Na clínica, por exemplo, é comum que o analisando fantasie o analista como um mestre, como alguém que sabe o que ele ainda não sabe sobre si mesmo. Mas a ética da psicanálise exige que o analista recuse esse lugar. Ele não deve preencher a falta do outro com certezas, mas sustentar essa falta para que o sujeito se autorize a falar, a desejar, a interpretar. Nesse sentido, o grande mestre é aquele que se ausenta para que o sujeito emerja. Ele é menos um dono da verdade do que uma espécie de espelho fosco onde o outro se vê deformado e, por isso, se interroga.
Do ponto de vista filosófico, o mestre tem uma longa tradição. Sócrates, talvez o mais radical dos mestres, foi aquele que ensinava sem ensinar. Seu método era o da maiêutica a arte de parir ideias e sua função era a de provocar, de desconstruir as certezas, de revelar que, muitas vezes, o saber é um disfarce da ignorância. Sócrates sabia que não sabia, e é por isso que seus interlocutores terminavam suas conversas mais próximos de si mesmos, e não de uma doutrina.
Nietzsche, por sua vez, desconfiava dos mestres que se colocavam como donos da moral, como guias do rebanho. Para ele, o verdadeiro mestre é aquele que desperta o espírito livre, que convida o sujeito a tornar-se o que é, mesmo que isso implique em romper com tradições e convenções. O mestre nietzschiano é o que incendeia, o que provoca transvalorações, o que convida à criação.
No mundo contemporâneo, onde a figura do mestre parece ter se diluído em tutores, mentores, coaches e influenciadores, talvez seja urgente resgatar esse arquétipo profundo: o mestre como aquele que transforma a relação do sujeito com o saber, com o tempo, com a vida. O grande mestre é aquele que ensina o valor da escuta, o poder da pausa, a importância da dúvida. Ele não dá respostas, mas oferece ferramentas para que cada um construa as suas próprias.
Não é raro que, ao longo da vida, encontremos figuras que ocupem esse lugar. Pode ser um professor, um terapeuta, um amigo mais velho, um autor, um artista, ou até mesmo uma criança. O importante é reconhecer que o verdadeiro mestre não precisa ser proclamado. Ele se revela na sua ausência: quando sentimos saudade de suas perguntas, quando escutamos sua voz silenciosa dentro de nós, quando percebemos que ele nos levou, sem percebermos, a lugares onde jamais imaginaríamos chegar.
O mestre verdadeiro não é aquele que se impõe, mas aquele que nos transforma. Sua função não é brilhar, mas acender luzes. Ele não quer discípulos que o imitem, mas sujeitos que se inventem. E talvez seja esse o traço mais profundo do grande mestre: ele sabe a hora de calar, de sair de cena, de nos deixar sós para que, finalmente, possamos nos escutar.
Referências bibliográficas
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Freud, Sigmund. A Interpretação dos Sonhos. Imago, 1900.
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Safatle, Vladimir. O Circuito dos Afetos: Corpos Políticos, Desamparo e o Fim do Indivíduo. Cosac Naify, 2015.
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Badiou, Alain. O que é um mestre? In: O Ser e o Evento. Relógio D’Água, 2013.
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