A palavra epigenética tem origem no grego. O prefixo epi significa "acima de" ou "sobre", e genética refere-se ao estudo dos genes. Portanto, epigenética pode ser compreendida como "aquilo que está sobre os genes". A expressão carrega a ideia de uma camada de regulação que influencia a atividade genética sem modificar a sequência do DNA em si. A epigenética investiga como fatores ambientais e experiências de vida podem alterar a expressão gênica de maneira herdável ou reversível.
A história da epigenética remonta aos anos 1940, quando o biólogo Conrad Waddington introduziu o termo para descrever como o genótipo interagia com o ambiente durante o desenvolvimento para produzir o fenótipo. No entanto, foi apenas nas últimas décadas, com o avanço das técnicas de biologia molecular, que a epigenética se consolidou como um campo científico autônomo e com aplicações profundas na medicina, na biologia do desenvolvimento e, mais recentemente, na neurociência e na psicopatologia.
Os mecanismos epigenéticos mais estudados incluem a metilação do DNA, modificações nas histonas e a ação dos microRNAs. A metilação consiste na adição de grupos metil ao DNA, o que pode silenciar genes, impedindo sua transcrição. Já as histonas, que são proteínas em torno das quais o DNA se enrola, podem ser modificadas para tornar os genes mais ou menos acessíveis à maquinaria de leitura celular. Os microRNAs, por sua vez, são moléculas que interferem diretamente na tradução dos genes em proteínas, regulando assim sua expressão.
Quando se trata de transtornos mentais como ansiedade, depressão, transtorno bipolar e esquizofrenia, a epigenética vem revelando que esses quadros não são apenas determinados por predisposições genéticas. O ambiente exerce influência decisiva, especialmente durante fases críticas do desenvolvimento, como a infância e a adolescência. Experiências traumáticas precoces, negligência emocional, abuso físico, estresse crônico e pobreza extrema são alguns dos fatores ambientais que podem provocar alterações epigenéticas em genes relacionados à regulação do humor, do estresse e da cognição.
Pesquisas em modelos animais demonstraram que filhotes de ratos criados por mães negligentes desenvolvem alterações epigenéticas nos receptores de glicocorticoides no hipocampo, o que os torna mais sensíveis ao estresse ao longo da vida. Estudos semelhantes em humanos apontaram padrões semelhantes em adultos que sofreram abusos na infância. Isso indica que a experiência vivida deixa marcas biológicas mensuráveis, que podem contribuir para o desenvolvimento de transtornos mentais mesmo em pessoas que não apresentariam uma predisposição genética forte.
Em um estudo conduzido por pesquisadores do McGill Group for Suicide Studies, foram encontradas alterações epigenéticas em genes cerebrais relacionados ao eixo hipotálamo-pituitária-adrenal em pessoas que cometeram suicídio e haviam sofrido abuso infantil. Essas alterações não estavam presentes em pessoas que cometeram suicídio sem histórico de trauma, o que sugere uma associação direta entre experiências precoces adversas e programação epigenética com impacto na saúde mental.
Além disso, a epigenética também tem oferecido explicações para a variabilidade de resposta aos tratamentos psiquiátricos. Por que algumas pessoas respondem bem a antidepressivos enquanto outras não? Por que algumas recaem com frequência? A resposta pode estar nas marcas epigenéticas que influenciam a sensibilidade dos receptores cerebrais a neurotransmissores como serotonina, dopamina e noradrenalina.
Um campo promissor da pesquisa atual é a chamada epigenética reversível. Estudos estão analisando se intervenções psicoterapêuticas, medicamentosas e até práticas como meditação e atividade física podem "reprogramar" as marcas epigenéticas, restaurando o equilíbrio dos circuitos neurais afetados. Isso abre uma nova fronteira terapêutica, onde o cuidado com a saúde mental poderá combinar abordagens psicossociais com estratégias biológicas personalizadas.
Outra implicação relevante da epigenética é a compreensão de que suas alterações podem ser transmitidas por gerações. Estudos com sobreviventes do Holocausto, por exemplo, mostraram que seus filhos apresentavam alterações epigenéticas semelhantes às observadas nos pais, mesmo sem terem vivido diretamente os eventos traumáticos. Esse tipo de transmissão intergeracional do trauma redefine os limites entre hereditariedade e ambiente, obrigando as ciências humanas e biológicas a dialogarem de forma mais integrada.
A psicanálise, com sua ênfase no inconsciente, nos afetos e nas experiências infantis, pode encontrar na epigenética um terreno fértil de diálogo. A ideia de que o corpo guarda traços de experiências precoces, de forma não consciente e resistente ao discurso, ressoa com os achados da epigenética, que mostra que o sofrimento pode se inscrever no corpo de maneira literal, molecular.
Em suma, a epigenética revoluciona nossa compreensão da mente humana. Ela revela que os transtornos mentais são resultado de uma complexa interação entre genética e ambiente, e que as marcas da experiência vivida podem alterar profundamente o funcionamento dos genes relacionados ao cérebro e ao comportamento. O futuro aponta para terapias cada vez mais integrativas, que levem em conta tanto a história do sujeito quanto os mecanismos biológicos que o sustentam.
Referências Bibliográficas
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