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Mostrando postagens de julho, 2025

A Traição: espelho do desejo, fenda do sujeito

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A Traição: espelho do desejo, fenda do sujeito A traição é, talvez, uma das experiências humanas mais difíceis de assimilar. Quem a sofre sente-se atingido em sua dignidade, em sua confiança, na estrutura que sustentava uma relação. Quem a comete, muitas vezes, encontra-se dividido entre o impulso e a culpa, entre o desejo e o interdito . Culturalmente associada à deslealdade, à quebra de confiança, à ferida narcísica, a traição é mais do que um ato moralmente reprovável. É, para a psicanálise, um fenômeno que revela as camadas subterrâneas do desejo humano, suas ambiguidades, suas faltas, suas fantasias . O que nos trai, afinal? Seria o outro ou nosso próprio desejo? É possível trair alguém sem, antes, trair a si mesmo? Para começar a pensar a traição à luz da psicanálise, é necessário abandonar as categorias binárias de certo e errado, inocente e culpado. Freud nos ensinou que o sujeito é dividido, movido por pulsões que nem sempre obedecem à lógica da moral ou da consciência. A t...

O Grande Mestre: aquele que desperta o sujeito

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O Grande Mestre: aquele que desperta o sujeito Em tempos marcados pela velocidade da informação , pela pressa em responder antes mesmo de escutar , pela ilusão de que tudo pode ser aprendido por tutoriais e fórmulas rápidas , falar do "grande mestre" é quase um ato subversivo. Não se trata de exaltar alguém que detém respostas prontas ou que ocupa um lugar de autoridade indiscutível . O grande mestre não é aquele que ensina o que pensar, mas aquele que nos convoca a pensar. Ele não transmite apenas conhecimento: ele encarna uma presença que desacomoda, que fere suavemente, que instala a dúvida e, com ela, o desejo de saber . Na psicanálise, o mestre não é uma função estática , mas uma posição simbólica que pode ser ocupada, em certos momentos, por aqueles que despertam no outro a busca por sua verdade. Freud foi, sem dúvida, um grande mestre não porque tenha explicado tudo, mas porque abriu as perguntas certas . Ele se recusou a oferecer o alívio de respostas fáceis e, em...

A Fase Oral: Primeira Morada do Desejo e do Ser

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A Fase Oral: Primeira Morada do Desejo e do Ser A fase oral é a primeira etapa do desenvolvimento psicossexual do ser humano segundo a teoria freudiana. Ela se estende, aproximadamente, do nascimento até o primeiro ano e meio de vida, marcando um período em que a boca é a principal zona erógena . No entanto, reduzir essa fase a uma simples questão de alimentação seria empobrecer profundamente sua complexidade. A oralidade não é apenas um estágio biológico ou fisiológico: é um lugar inaugural do encontro com o mundo, com o outro e, sobretudo, com o desejo. Para a psicanálise, o recém-nascido é um ser atravessado por uma radical dependência. Ele não se basta. Precisa do outro geralmente a mãe ou a figura materna para sobreviver. A satisfação das suas necessidades mais básicas não ocorre de modo automático, mas mediada por um campo de afetos, de cuidados, de palavras e de gestos. A boca, nesse cenário, torna-se o primeiro instrumento de relação com o mundo externo . Ao mamar, o bebê ...

Epigenética e os Transtornos Mentais: Revelações Além da Genética

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Epigenética e os Transtornos Mentais: Revelações Além da Genética A palavra epigenética tem origem no grego. O prefixo epi significa "acima de" ou "sobre", e genética refere-se ao estudo dos genes. Portanto, epigenética pode ser compreendida como "aquilo que está sobre os genes" . A expressão carrega a ideia de uma camada de regulação que influencia a atividade genética sem modificar a sequência do DNA em si. A epigenética investiga como fatores ambientais e experiências de vida podem alterar a expressão gênica de maneira herdável ou reversível. A história da epigenética remonta aos anos 1940 , quando o biólogo Conrad Waddington introduziu o termo para descrever como o genótipo interagia com o ambiente durante o desenvolvimento para produzir o fenótipo. No entanto, foi apenas nas últimas décadas, com o avanço das técnicas de biologia molecular, que a epigenética se consolidou como um campo científico autônomo e com aplicações profundas na medicina, ...

Meditação

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  Meditação A palavra “meditação” origina-se do latim meditatio , vem do verbo meditari , significando pensar profundamente, refletir, considerar. Etimologicamente, também se liga à raiz indo-europeia med , que expressa a ideia de medir, ponderar e exercer cuidado. Desde seu nascimento, o termo sugere mais do que um simples pensar: traz em si o convite ao recolhimento interior, à atenção silenciosa e ao encontro com aquilo que pulsa por detrás do barulho mental. Meditar, portanto, é um gesto radical de retornar ao centro, de buscar em si mesmo uma escuta mais refinada, menos ruidosa, mais presente. A meditação é uma prática ancestral. No Oriente, suas raízes atravessam o hinduísmo, o budismo, o taoismo, com práticas como o dhyāna , o zazen e a atenção plena. No Ocidente, também há traços contemplativos importantes, como a meditatio cristã de místicos como Mestre Eckhart, João da Cruz ou a lectio divina nos monastérios. Cada uma dessas tradições convergem em algo essencial: aqui...

Anedonia: quando o prazer desaparece e o desejo se cala

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Anedonia: quando o prazer desaparece e o desejo se cala A anedonia é definida pela perda da capacidade de sentir prazer  um sintoma poderoso que impede a experiência de satisfação em atividades antes agradáveis: relações, trabalho, lazer, comida ou sexo. Frequentemente associada à depressão, ela emerge também em quadros de ansiedade, esquizofrenia, transtornos de personalidade e uso de substâncias ( Fãs da Psicanálise ). 1. Caráter clínico do sintoma No campo médico, a anedonia é um indicador central de transtorno depressivo maior , presente em aproximadamente 70 % dos casos ( Sanarmed ). O DSM‑5 entende que ela cobre tanto a redução da antecipação do prazer (desejar) quanto a experiência consumatória (sentir) ( Wikipedia , Sanarmed ). A explicação neurobiológica aponta para uma disfunção no sistema de recompensa do cérebro: envolve disfunções no núcleo accumbens , no estriado ventral , na córtex pré-frontal (orbitofrontal e medial ventromedial), e baixos níveis de dopamina...

Aprofundando as Articulações de Totem e Tabu de Freud com Jacques Lacan e Claude Lévi-Strauss

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1. Lévi-Strauss: O estruturalismo e a troca como fundamento da cultura Claude Lévi-Strauss, antropólogo francês, lê Totem e Tabu como uma tentativa pioneira, ainda que especulativa de pensar a origem das estruturas sociais. Em sua obra "As estruturas elementares do parentesco" (1949) , ele retoma a tese freudiana do tabu do incesto, mas desloca o foco do parricídio mítico para a troca de mulheres como base estruturante da sociedade . Para Lévi-Strauss, o tabu do incesto não deve ser visto apenas como proibição, mas como condição de possibilidade para a aliança entre grupos . Ao impedir a união sexual dentro do mesmo clã, a cultura obriga os indivíduos a buscar parceiros fora do grupo — é o que ele chama de exogamia , e isso funda o tecido social. A troca de mulheres é, portanto, a primeira forma de circulação simbólica: ao ceder a mulher, o grupo se insere em uma rede de alianças e obrigações. Lévi-Strauss reconhece a importância de Freud em apontar para uma estrutura inc...

Totem e Tabu

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Em Totem e Tabu , Freud propõe uma investigação ousada ao buscar correspondências entre o funcionamento psíquico de povos considerados “primitivos” e os processos inconscientes observados em pacientes neuróticos da clínica psicanalítica. A partir de quatro ensaios, ele traça um elo entre o mundo da antropologia e a teoria psicanalítica, inaugurando aquilo que podemos considerar o início de uma antropologia psicanalítica. Essa obra não apenas estende os limites da psicanálise, como propõe que os fundamentos da cultura humana estão enraizados nos conflitos e mecanismos inconscientes que atuam na constituição do sujeito . O primeiro tema central é o totemismo . Freud parte do estudo de sociedades tribais australianas para observar que seus membros se organizam em clãs regidos por um “totem”, geralmente um animal ou planta, que atua como símbolo protetor, ancestral comum e força sagrada. Os membros de um mesmo clã não podem ferir, matar ou consumir seu totem. Além disso, há regras rígida...

A Teoria do Inconsciente em Psicanálise

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A Teoria do Inconsciente em Psicanálise Etimologicamente, a palavra “inconsciente” vem do latim in- (não) + conscientia (conhecimento). Literalmente, algo que não é conhecido. Desde sua origem, ela carrega a tensão entre o saber e o oculto. Essa tensão ilumina o núcleo da psicanálise que é a existência de processos psíquicos que moldam nosso pensar, sentir e agir sem que tenhamos acesso direto. Na psicanálise de Freud, o inconsciente emerge como descoberta revolucionária, fundamental para entender a subjetividade. Freud observou, em pacientes histéricas e em fenômenos como atos falhos, sonhos, sintomas, que existiam conteúdos psíquicos ativos, recalcados, que exerciam pressão contínua sobre a consciência ( Ipa World ). Quando, na obra “O Inconsciente” (1915), ele defendeu que sem esse conceito seria impossível explicar vários fenômenos mentais, ele estava estabelecendo a metapsicologia do aparelho psíquico ( Ipa World ). A topografia freudiana divide a mente em inconsciente, pré‑...